A ascensão do Talibã no Afeganistão é resultado do fracasso da ocupação dos Estados Unidos e pode ser comparada à Guerra do Vietnã
por Juliana Cavalcanti em 19/08/21 22:42
A ascensão do Talibã no Afeganistão – que culminou com a tomada do poder central do país esta semana e da saída definitiva das tropas norte-americanas do país – é resultado do fracasso da ocupação dos Estados Unidos nos últimos 20 anos e pode ser comparada à Guerra do Vietnã.
Essa é a avaliação do professor e pesquisador da área de Relações Internacionais Carlos Gustavo Poggio, em entrevista ao programa Quarta Chamada, no Canal MyNews. Ele avalia que, apesar do custo político da decisão de retirar definitivamente as tropas do Afeganistão, o presidente norte-americano Joe Biden já era esperada, mas foi tomada de maneira desastrosa neste momento.
“O que a gente está vendo não é uma derrota repentina dos Estados Unidos. É uma derrota em câmera lenta há 10 anos. Faz 10 anos que os Estados Unidos falam em se retirar do Afeganistão. É uma situação muito similar à da Guerra do Vietnã. Chegou um momento na Guerra do Vietnã que a questão era como sair do Vietnã? A campanha do Nixon para a eleição era “paz com honra”. O Joe Biden tomou a decisão política de sair, que já havia sido tomada por Obama, foi negociada por Trump e executada agora pelo Biden. O problema foi a execução dessa estratégia. Essa execução foi desastrosa”, refletiu o professor Poggio, durante participação no programa Quarta Chamada, do Canal MyNews.
Segundo Poggio, apesar de 50% dos norte-americanos apoiarem o fim da ocupação ao Afeganistão, esse percentual já foi de 70%, e a forma como foi executada já repercutiu na queda de popularidade do presidente Joe Biden.
Na avaliação do professor, o que aconteceu esta semana revela também como os norte-americanos tentaram impor uma lógica ocidental e de nação a uma sociedade que é organizada através de lealdades tribais e funciona com uma lógica diferente. Nesse cenário, países como o Paquistão e a China passam a ter maior relevância do que os Estados Unidos. “É uma situação mais complexa do que a gente pensa. O Afeganistão é uma ponte entre a Ásia e o Oriente Médio. A China tem um interesse concreto no Afeganistão.
Para o professor e advogado Davi Tangerino, a resposta mais imediata que os demais países podem dar nesse momento é de cunho humanitário, recebendo os cidadãos que estão fugindo. “Internacionalmente, o reconhecimento do governo tem um papel. A China já se colocou na frente, reconhecendo esse novo governo tem um papel. Mas já usando mais um papel de criminalista, eles não fabricam essas armas lá. Existe um abastecimento, um financiamento internacional, como sempre acontece nesses conflitos. Esse é um mapa possível: quem está possibilitando materialmente o exercício dessa violência. É um tema mais delicado e envolve interesses econômicos muito importantes”, pontuou Tangerino.
Entre os problemas enfrentados pela população que tenta sair do país está a falta de documentos e passaportes – o que as impede de imigrarem para outros países. Segundo o professor Carlos Gustavo Poggio, no campo do direito internacional elas podem ser consideradas apátridas – por não poderem comprovar sua nacionalidade.
“Quem vai sofrer esse fluxo de afegãos de fato são os países vizinhos, por exemplo o Paquistão. Em seguida, os países europeus – que estão muito preocupados com uma possível onda de imigração semelhante à da crise da Síria”, explicou, recordando a onda de imigração grande que provocou problemas políticos, econômicos e de fronteiras, numa Europa que se recuperava da crise de 2008 e que, em algum sentido, ajudou a fortalecer os movimentos de xenofobia e a ascensão da extrema direita e da direita radical populista na Europa. Poggio ressaltou ainda que o Talibã que tomou definitivamente o poder no Afeganistão esta semana não é um “Talibã moderado”, mas um grupo pragmático, preocupado com a questão de governança e não há indícios de moderação. “Se não houver moderação, a questão dos refugiados deve se agravar”, concluiu.
Tangerino lembrou que no caso da Síria, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel foi muito criticada por acolher os imigrantes sírios. Com a saída de Merkel, que não concorrerá a uma recondução ao cargo, a situação dos imigrantes afegãos fica indefinida em relação à Europa, num contexto de crescimento da xenofobia.
Carlos Gustavo Poggio complementou que do ponto de vista econômico a aceitação de imigrantes é positiva para o país – num cenário de longo prazo que deve consolidar a redução demográfica da população alemã. “Angela Merkel atuou olhando o comportamento demográfico da Alemanha, que daqui a 20 anos vai ter menos habitantes que agora. Economicamente, aceitar imigrantes é uma forma de renovar a força de trabalho. Do ponto de vista econômico é [uma iniciativa] positiva do país. Porém, existe a questão cultural, de um imigrante que tem a mesma religião, fala a minha língua; e do refugiado, que fala outra língua e tem outra religião. São questões difíceis de conciliar [nesse contexto]”, analisou.
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