O maior dilema da crise política que vivemos está manifesto na realização de que os entes institucionais, ao serem pessoas como nós, estão submetidos a paixões e apegos pouco nobres
por Creomar de Souza em 25/08/21 21:22
Como os ponteiros de um relógio, o debate acerca da democracia no Brasil toca no papel das instituições ao menos duas vezes ao dia. Porém, o quanto deste diálogo está livre de juízos de valor ou de preconcepções eivadas de idealismo ou desejo? O fato é que sempre que se faz uma reflexão acerca dos níveis de ameaça ou do compromisso que determinados atores têm ou deveriam ter com as regras do jogo, se avança no sentido de dialogar acerca do funcionamento ou não das instituições nacionais. Este diálogo, que pode tornar-se muito abstrato em determinados momentos, parece escapar propositalmente de um componente bastante importante: as instituições são as pessoas que nelas estão investidas.
Partindo desta premissa, é possível, portanto, construir e responder a uma série de perguntas estruturantes que motivam esta reflexão. Em primeiro lugar, por qual motivo a adesão às regras do jogo democrático parecem ser tão frágeis na terra brasilis? Em segundo plano, como os indivíduos lidam com o dilema da relação entre seus próprios interesses e seu papel institucional? E, por fim, mas não menos importante, qual é o gatilho que leva um indivíduo em uma posição de poder a silenciar ou agir em defesa da instituição que representa?
Muito provavelmente, as três perguntas acima merecem uma coletânea. Contudo, diante da rapidez com que os eventos transcorrem e que a instabilidade toma conta do cenário político, vale a tentativa de resposta de forma sumarizada. Na resposta ao primeiro questionamento, cabe ressaltar que, historicamente, há uma relação de descompromisso do brasileiro com as regras do jogo. Partindo-se desta premissa, trabalhada intelectualmente por pensadores como DaMatta e Faoro, é possível compreender que os períodos de estabilidade institucional são escassos e que tendem a ser interrompidos de maneira abrupta por soluções de viés autoritário.
Este autoritarismo personalista, por sua vez, é uma tendência de longo prazo no curso da história política nacional. E aqui parece residir uma diferença importante entre uma democracia de média para baixa qualidade como a brasileira, em comparação a outras com maior resiliência institucional. No Brasil, para o nosso infortúnio, ao fim e ao cabo, diante de uma realidade em que se enxerga a regra como um inimigo comum, a melhor forma de sentir-se especial diante da vida é construir ações de quebra do combinado.
A regra do jogo pode sim ser injusta. Regras que impedem mulheres de serem livres em suas escolhas, ou que permitam que um indivíduo tenha propriedade sobre outro, devem ser erradicadas. Contudo, se partimos do princípio de que a Constituição de 1988 criou um modelo de base comum que permite que a disputa de poder seja jogada dentro das quatro linhas da Constituição, a pergunta é: por que tamanha vontade de mudar a regra do jogo a todo instante?
E aqui se faz importante um exercício de honestidade intelectual e histórica: este não é o momento em que a regra começou a ser alterada. Na verdade, as regras e processos de alteração à Constituição estão vinculados à sua promulgação. As centenas de alterações distorceram a regra do jogo em vários sentidos e alimentaram um sistema cujas criaturas hoje enxergam-se como portadores do direito divino de alterarem o campo de jogo com o objetivo de se perpetuarem no poder. Neste sentido, a ideia de que o jogo como um todo é bastante frágil e sujeito a paixões individuais é uma construção intelectual que encontra respaldo na realidade.
Esta percepção de que o “eu” vem antes do “nós”, acaba gerando em indivíduos em posição de poder um inconformismo com sua própria sazonalidade. Afinal, pensam eles, se a letra da lei não me fornece a perenidade que eu almejo, basta simplesmente que eu altere a lei. E complementam: ora, se a concepção de que a posse da pena é o atributo necessário para mudar o seu próprio destino da forma que melhor lhe aprouver, não há necessidade clara de seguir uma regra que é anacrônica ao me afastar daquilo que é exclusivamente meu por direito.
O hedonismo reinante que cria o anacrônico hábito do indivíduo de confundir-se com a cadeira que ocupa é o cavalo de batalha que desconstrói as colunas que sustentam o templo da democracia. A solução, contudo, parece longe de se encontrar. Afinal, se as instituições são as pessoas, é preciso que os cargos institucionais estejam ocupados por entes que desejem soluções consensuadas aos problemas. Sobretudo, pelo fato empiricamente provado de que em sociedades complexas como a brasileira, não há solução fácil para problemas de difícil solução.
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