Projeto de Lei inclui exigência de mais transparência das plataformas, revisão de anúncios e remuneração para jornalistas que produzem conteúdo nas redes.
por Julia Melo em 02/03/22 16:51
Plenário da Câmara dos Deputados. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
O Projeto de Lei 2630 de 2020, a PL das Fake News, está para ser votado no começo deste mês na Câmara dos Deputados e visa instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Originada no Senado, a proposta entrou em pauta após cobranças do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para evitar a disseminação de conteúdos falsos, especialmente em ano de eleição. No entanto, a tramitação não tem sido bem vista pelas plataformas digitais.
Em carta aberta divulgada em fevereiro, os representantes brasileiros do Meta (grupo que detém Facebook, Instagram, WhatsApp), Google, Twitter e Mercado Livre afirmaram que o PL ameaça a “internet livre, democrática e aberta” que conhecemos hoje. Enquanto o projeto se propõe a criar um ambiente digital mais saudável, que naturalmente evolui para um cenário de menos desinformação, a crítica das companhias é em relação aos mecanismos para a criação desse espaço.
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Apesar do debate sobre a plataforma russa Telegram ocupar mais espaço na mídia e no TSE em relação ao tema de disseminação de desinformação nas redes sociais, o atual encaminhamento do PL não foca em regular um aplicativo em específico. O Telegram não possui representante legal no Brasil e não responde às solicitações feitas pela corte eleitoral – em dezembro, o então presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, enviou um ofício ao diretor executivo do app de mensagem, Pavel Durov, para falar sobre o combate à desinformação.
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e TSE já falaram sobre bloquear a plataforma no Brasil. O MyNews já havia mostrado o uso do Telegram por grupos antivacina e por foragidos da Polícia Federal, como o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos. No dia 25 de fevereiro, o ministro do STF e vice-presidente do TSE, Alexandre de Moraes, pediu o bloqueio do canal de Santos do app de mensagens e fixou multa de R$ 100 mil por cada dia em que não houvesse o banimento. O Telegram efetuou o bloqueio da conta verificada do bolsonarista, mas já há outra criada que se diz a “oficial”.
“Para essas plataformas existirem no território nacional e trabalharem, oferecerem produtos para usuários brasileiros, o mínimo que a gente pode esperar é a oferta de um representante no país ou meios, canais de comunicação, para que a gente fale sobre o combate de ilícitos”, afirmou a integrante do coletivo Coalizão de Direitos na Rede e pesquisadora-visitante no Centro de Ciências Sociais de Berlim (da sigla em alemão WZB) Bruna Santos.
Em entrevista ao Café do MyNews, a especialista comentou alguns pontos do PL. Separamos alguns pontos considerados importantes e/ou polêmicos pelos ativistas dos direitos na internet.
O Projeto de Lei não define exatamente o que pode ser considerado um conteúdo inverídico. Segundo Bruna, o foco do PL é a repressão a comportamentos e condutas e não a definição do que pode ser uma desinformação. A definição de desinformação é ampla e pode ser confusa.
Por exemplo, uma publicação pode não ser 100% mentirosa, mas sim ter sido descontextualizada e ser enganosa. Definir muito literalmente o que é fake news pode dar margem para abusos da Justiça, já que a análise de um conteúdo passa também pelo contexto em que foi criada e ou disseminada.
“O tratamento da desinformação não vem única e exclusivamente por meio da criação de novos tipos penais, ele vem também de uma discussão que vai falar sobre transparência, sobre o devido processo que reforça leis já vigentes no cenário brasileiro também e sobre uma conscientização dos usuários de maneira geral”, reforçou Bruna Santos.
Um dos pontos criticados na carta aberta pelas big techs, a remuneração de conteúdos jornalísticos por parte das plataformas digitais é vista de forma positiva pela Coalizão de Direitos na Rede. No entanto, Bruna fala da necessidade de se detalhar melhor o artigo. Ainda falta pensar questões sobre como será feita a fiscalização do conteúdo, de qual forma será definido o que é ou não jornalismo e os direitos dos jornalistas dentro desse processo de criação.
A especialista explicou que “a relevância de um dispositivo como esse é que ele traz para o ordenamento jurídico brasileiro a ideia e a possibilidade de desenvolvimento de políticas públicas e regulações que apoiam a atividade jornalística”.
O PL prevê imunidade para publicações de parlamentares, como uma extensão para o digital do que já é previsto por ler. Para garantir a aprovação do texto-base, o relator Orlando Silva (PC do B-SP) tem conversado com vários partidos e concedido contribuições ao projeto. A inclusão da imunidade parlamentar foi feita após um pedido de 2021 do deputado Filipe Barros (PSL-PR).
Para Bruna, a imunidade parlamentar pode causar “desequilíbrio” no ambiente digital na medida em que privilegia os políticos e tem possibilidade de se tornar uma brecha perigosa.
Filipe Barros foi identificado no início deste ano pela Polícia Federal como um dos responsáveis – junto com o presidente Jair Bolsonaro (PL) – pelo vazamento de informações sigilosas do TSE.
Um dos pontos mais elogiados por Bruna diz respeito à obrigatoriedade das plataformas produzirem relatórios semestrais com informações sobre perfis que disseminaram desinformação. Neles, devem constar quem foram os usuários que violaram a lei, as sanções aplicadas a eles e métricas da quantidade de visualizações e interações que os conteúdos obtiveram antes de serem banidos. As companhias também devem informar a quantidade de usuários ativos no país e a metodologia utilizada na coleta dos elementos fornecidos.
O projeto criminaliza o envio de grandes quantidades de mensagens, o disparo em massa. As organizações que acompanham o debate sobre regulação das plataformas celebrou a retirada do quesito da rastreabilidade na investigação do envio massivo de conteúdo, anteriormente presente no texto-base feito originalmente pelo Senado. De acordo com esse conceito derrubado na Câmara, as plataformas deveriam manter os metadados de todas as mensagens que se tornassem virais e massivas, para ser possível rastrear seu autor inicial.
“A preocupação que a Coalizão de Direitos na Rede colocava era que isso poderia ser problemático com o usuário, porque quando a gente está ali tentando identificar de onde veio a mensagem, isso poderia incidir em pedidos que falassem da quebra da criptografia e também a identificação de pessoas que não são necessariamente as que redigiram o texto. Nossa preocupação principal com o que existia sobre rastreabilidade era justamente nessa linha: de acabarmos identificando, no meio do caminhos, agentes que não compartilharam aquele conteúdo com nenhuma intenção maliciosa”, explicou a especialista.
Para saber mais sobre o PL 2630, assista à conversa com Bruna Santos na íntegra no Café do MyNews desta quarta-feira (2):
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