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Fabio La Selva

BRIGA NO OSCAR

Sobre Will Smith, Chris Rock e o Perdão

Tapa que ator deu em apresentador rendeu-lhe diversas consequências em sua carreira. Qual o papel do pedido de desculpas e do perdão nisso tudo?

por Fabio La Selva em 13/04/22 09:25

Dias atrás o mundo parou para noticiar e opinar sobre o tapa que Will Smith deu em Chris Rock, em plena cerimônia do Oscar. Ambos já foram amplamente julgados. Chris pela piada infame e ofensiva. Will pela violência indefensável.

Admito que foi decepcionante ver um comediante brilhante, atacar fisicamente o outro, por justamente estar fazendo comédia. Mas a intenção desse texto não é compartilhar minha opinião ou sentimento sobre o episódio infeliz, e sim de compartilhar uma reflexão. O que me chamou atenção e preocupou, foi a repercussão se transformar em discursos de ressentimento, medo, condenação, e até ódio. E por isso, passei as últimas noites refletindo, o que poderíamos nós, como humanidade, tirar de positivo disso tudo? Qual o aprendizado? Tem que haver alguma coisa.

E, depois de refletir durante um tempo, percebi no pedido de desculpas do Will, que ainda há esperança para nós, seres humanos. Foi um dos melhores pedidos de desculpas que já vi, e dois aspectos me chamaram a atenção. O primeiro é que em nenhum momento, Will usa a palavra “mas”, tão comum quando pedimos desculpas, para justificar a razão do comportamento inadequado, e geralmente atribuindo parte da culpa ao outro. Não teria sido difícil isso acontecer, uma vez que Chris foi muito criticado também pelo teor ofensivo de sua piada. Will absorve 100% da responsabilidade e isentou Chris de qualquer tipo de culpa.

E há um segundo aspecto, mais profundo, que muito me impressiona. Will admite que a piada não deveria, mas foi sim um gatilho pra ele reagir emocionalmente. Não foi racional. Ele foi tomado pela emoção e agiu dessa forma.

Will Smith. Foto: Universal Pictures

Will transparece vergonha e é comum sentirmos vergonha quando reagimos emocionalmente, sem racionalidade. Fiquei pensando, se o Will tivesse um dispositivo capaz de neutralizar suas emoções, deixando ele 100% racional, uma boa reação talvez seria nada fazer logo após a piada, e quando estivesse no palco em seu discurso, após agradecer o prêmio, dizer algo como: “…e queria apenas fazer um comentário sobre a piada do Chris. Como seu colega comediante, preciso dizer que a piada foi extremamente sem graça e ofensiva. Estou decepcionado com a sua escolha, porque ela foi realmente muito ruim, e sei que você tem potencial para algo muito melhor e mais engraçado.”. Se Will tivesse seguido algo nesta linha, ele provavelmente sairia por cima do episódio, perto de um herói da moralidade.

Mas a verdade é que tal dispositivo que neutraliza as emoções, não existe. E ainda bem, pois não somos robôs. A característica mais humana que existe é o sentir. Se emocionar. O distanciamento das emoções e do sentimento é nossa maior patologia. Quanto mais nos distanciamos da nossa humanização, mais doentes ficamos.

E por isso, em minha leitura, ao pedir desculpas, Will, provavelmente sem querer, proporciona o que eu buscava neste episódio: alguma lição de humanidade. Na verdade, todo pedido de perdão nos dá essa lição. O pedido de perdão sincero, é uma forma de expressar que sua reação emocional não foi de acordo com a reação racional que se gostaria de ter tido. Não deve ser à toa que diversas religiões consideram o perdão como uma das virtudes mais bonitas e necessárias ao homem.

Essa reflexão é propícia nestes tempos em que a cultura do cancelamento foi instaurada. 

Recentemente, temos visto influencer digital, deputado, apresentador de TV, celebridades de reality show, que cometeram erros e pediram desculpas. Mas além das consequências naturais e legais de seus atos, o pedido de perdão para a sociedade parece ser ignorado. Às vezes, até tenho a impressão que quanto mais perdão se pede, mais punição é concedida. E mais seu caráter é julgado.

Estatuetas do Oscar. Foto: Dreamstime

Existe um abismo enorme entre repudiar uma atitude e condenar o caráter de alguém. O julgamento e a condenação não são prejudiciais somente ao indivíduo que está pedindo perdão. Me parece um veneno ainda pior a nós que nos colocamos nessa posição de julgar. Nos colocamos em posição de juízes, ou até mesmo, de deuses. O que soa como uma tremenda arrogância, uma vez que a realidade é que somos apenas humanos, assim como o outro que ali está pedindo perdão, ao mesmo tempo em que recebe pedradas. Também reagimos emocionalmente às coisas, apesar de tentarmos ser racionais. Se nunca cometemos um deslize por conta de um estado emocional, a biologia nos mostra que é bem provável que ainda vamos cometer. 

Que fique claro que um pedido de desculpas não isenta e não deveria isentar ninguém das consequências legais e naturais de seus atos. Tudo o que está acontecendo com o Will nesse momento, como a saída dele da Academia por exemplo, é uma prova disso. Mas a reflexão aqui é sobre as consequências morais do julgamento alheio ao seu caráter. Ouvi de um amigo que ele nunca mais vai assistir a um filme de Will Smith.

Até quando o ator terá que sofrer as punições morais pelo seu deslize emocional, ser taxado de mau-caráter, mesmo pedindo desculpas? Se eu tivesse que chutar pelo cenário atual, eu diria que aparentemente até o fim de sua vida.

No começo da minha carreira, lembro de um momento que me marcou. Meu chefe na época aconselhando um outro profissional, que ele não deveria pedir desculpa por um erro que havia cometido, pois a desculpa só iria expô-lo e ampliaria o dano a ele. Lembro de ter repudiado esse conselho quando o ouvi. Não concordei. E continuo não concordando. Detesto pensar na ideia de que este conselho tivesse qualquer razão. Prefiro continuar com minha convicção quanto ao valor do perdão, afinal, como diria Alexander Pope, “errar é humano; perdoar, divino”.

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