Por que chamamos os bilionários russos de oligarcas? Quantas vezes usamos o termo oligarca atualmente? Afinal de contas, o que é um oligarca?
por Aniello Olinto Guimarães Greco Junior em 11/05/22 10:00
Estamos em meio a uma guerra de repercussões globais, onde os principais líderes do mundo estão diretamente ou indiretamente envolvidos. E uma coisa que sabemos desde que a guerra é guerra, e que se reforçou com as guerras televisionadas, desde a Guerra do Vietnã, é que o controle da narrativa é uma arma de guerra.
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Isso significa que devemos ser críticos às informações advindas de todos os lados da guerra. É fato que Putin se utiliza de métodos extremos de controle e censura da internet e da imprensa. Mas também é fato que já faz décadas que o ocidente domina modos de manipular as narrativas de guerra de modo muito mais sutil. Basta lembrarmos de como foi feita a cobertura midiática da invasão do Iraque e de como os EUA usou de desinformação para manipular a opinião pública mundial.
Se é fato que Putin é claramente do país beligerante, e também um ditador de posse do maior arsenal nuclear do mundo, isso não faz com que tudo o que se noticia contra a Rússia seja verídico e objetivo.
Um dos exemplos mais claro disso é a cobertura em referência aos oligarcas russos. Uma das melhores formas de se manipular uma notícia é falar uma verdade, ou várias, mas sutilmente transmitir uma distorção ao mesmo tempo. Por que chamamos os bilionários russos de oligarcas? Quantas vezes usamos o termo oligarca atualmente? Afinal de contas, o que é um oligarca?
Etimologicamente oligarquia é o governo de poucos. O termo oligarca então se refere originalmente a membros de uma pequena casta que domina o poder político de uma nação. Um exemplo seria as famílias reais e demais nobres em monarquias absolutistas. Ou os diretores de um partido em um regime de partido único.
Nesse sentido o termo não pode ser aplicado aos bilionários russos. O governo lá é exercido por políticos eleitos (em eleições nada confiáveis) e burocratas, e não pela elite econômica. Mas no século XIX e início do século XX era comum usar o termo oligarca para os magnatas que usavam seu poder econômico como meio de obter influência nos poderes políticos, e com isso aumentar ainda mais suas fortunas. E sim, os bilionários russos são um exemplo clássico.
A atual oligarquia econômica russa se forma na década de 1990, quando ocorreu a privatização das empresas estatais soviéticas, compradas a preço de banana para pessoas com bons contatos com os burocratas do governo Yeltsin e Putin. Ou seja, a amizade com os governistas transformaram em poucos anos algumas pessoas levemente abastadas em alguns dos homens mais ricos do mundo. E esse enriquecimento ilícito e súbito conquistado devido à proximidade com o poder político faz a elite russa merecer o título de oligarca.
Mas e os outros bilionários do mundo seriam realmente diferentes, ou podemos falar de oligarcas brasileiros, estado-unidenses, franceses, alemães, e, cometerei a heresia, ucranianos?
A Rússia sofre de um capitalismo tardio, iniciado há 40 anos, e por isso podemos traçar com clareza como se fez a acumulação do capital. Já nas democracias ocidentais, séculos separam a formação das fortunas das grandes famílias e o presente.
Mas se formos olhar, por exemplo, a realidade brasileira, a maioria das famílias realmente ricas tem sua origem na atividade mais lucrativa do Brasil colonial e imperial. E não, não foi a monocultura de açúcar ou do café. Foi o tráfico negreiro. As grandes fortunas ao redor do mundo, a maioria terá, assim como no Brasil, uma origem mais repugnante que a corrupção da Rússia de Yeltsin e Putin.
Claro, não podemos culpar os tataranetos pelos crimes de seus ancestrais, mas sua fortuna herdada foi cunhada em sangue. E os bilionários de hoje estão também usando de seu poder econômico para influenciar ou controlar o poder político. Às vezes sequer por meios indiretos, Trump que o diga.
Então, basicamente, quase todo bilionário no mundo merece o título de oligarca. E alguns merecem mais que os russos. Mas usamos o adjetivo atualmente apenas para russos, e talvez os detentores dos petrodólares árabes.
Isso é um exemplo menor de um mal grave, um erro ou estratégia nefasta que estamos cometendo na construção ocidental da narrativa ao redor da invasão da Ucrânia. Se Putin comete o grave insulto de perverter as nacionalidades russa e ucraniana para criar o mito da Grande Rússia e negar a existência do povo ucraniano, nós estamos alimentando de forma perigosa e irresponsável discurso de anti-rússia. Estamos transformando uma das nações mais influentes e poderosas do mundo não apenas em um pária, mas em vilões.
Estamos boicotando não apenas a economia russa, nem sequer os bilionários russos. Estamos boicotando atletas, e até mesmo símbolos culturais. Chegou-se ao extremo de retiramos filmes como Anastasia e debatermos sobre proibir cursos sobre Dostoevsky.
O ódio a um povo é uma ferramenta potente, mas perigosa. E isso se reflete em atos concretos. A Rússia foi expulsa do Parlamento Europeu e também da Comissão de Direitos Humanos da ONU. Em um momento onde todo esforço diplomático com a Rússia deveria ser bem vindo, para evitar que esse conflito escale de forma catastrófica, estamos apostando em subir a tensão e a pressão.
Vale a pena lembrar um pouco de história. Quando o mundo diplomático tenta encurralar o Japão com sua criminosa invasão da Manchúria, o resultado foi a saída daquela potência da Liga das Nações. E foi o princípio do fim do maior fórum diplomático do mundo à época. Uma das causas diretas da Segunda Guerra Mundial.
A Rússia, devido sua produção energética, seu poderio militar, e em especial, seu poderio nuclear, é inevitável. Não há como contorná-la ou ignorá-la. A piada já dizia que a bomba atômica é a arma do diálogo. Quando temos uma, todos querem conversar com você.
Estranhamente estamos optando pelo oposto. E Putin já mostrou claramente que pode ser um mentiroso costumaz, mas não costuma a blefar. Costuma cumprir suas ameaças. E não apenas rompendo o diálogo, mas chutando os russos para fora. Pagar para ver não me parece uma escolha saudável.
Falar mal de Putin é fácil. Ele é um governante repugnante em vários aspectos. Mas ao escolher transformar a Guerra da Ucrânia em uma luta do bem contra o mal (inclusive banalizando os diversos problemas internos que a sociedade ucraniana atravessa) estamos forçando a um ditador russo a cumprir um papel completamente demoníaco. A que preço?
Mesmo que isso não acabe em um desastre nuclear (algo que ainda parece improvável, mas já deixou de ser impensável), resta a pergunta: a quem interessa uma Ucrânia demolida? Certamente não a Rússia, que deseja uma Ucrânia como sua zona de influência. Mas as ações do ocidente não estão de forma alguma dando segurança a Ucrânia. Putin continua sendo o principal agressor, mas parece que nós estamos cada vez mais felizes em forçar a ele se manter neste papel.
Se é verdade que não podemos tolerar a agressão e invasão promovida pela Rússia, não podemos transformar a necessária resistência em atos de ódio e isolamento. Estamos apagando fogo com gasolina.
Se é difícil entender plenamente as intenções de Putin, me parece ainda mais difícil entender o tipo de propaganda que estamos contando para nós mesmos. Apenas o povo ucraniano parece interessado em encerrar o conflito. E enquanto transformamos Zelensky em Churchill e Putin em Hitler criando uma narrativa delirante, oligarcas de todas as nações dançam na beira do abismo.
E o povo ucraniano morre. E a economia global entra em caos. E o apocalipse nuclear volta a assombrar a geopolítica mundial.
*As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews
Quem é Aniello Olinto Guimarães Greco Junior?
Servidor público concursado do Tribunal Superior do Trabalho, Aniello Greco passou tempo demais na universidade, sem obter diploma. Já fingiu ser jogador de xadrez, de poker, crítico de cinema, sommelier de cerveja. Sabe de quase tudo um pouco, e quase tudo mal.
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