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ESPETACULARIZAÇÃO

Para que serve uma CPI?

O fato de ser possível comparar uma CPI com uma série de TV mostra que a espetacularização dos escândalos, tão falada durante a Lava Jato, continua no nosso cenário político.

por Aniello Olinto Guimarães Greco Junior em 25/05/22 10:28

Senadores aprovam relatório final da CPI da Pandemia. Arquivo. Foto: Marcos Oliveira (Agência Senado)

Atualmente a Netflix do Senado está em fase de pré-produção da nova temporada da série de maior sucesso de 2021: a CPI. E mesmo sem a produção confirmada já temos um enorme hype no público, com fãs e haters se digladiando nas redes sociais.

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Mas apesar da última temporada ter sido um enorme sucesso de público, muitos dos fãs questionam que o desfecho deixou a desejar. Aparentemente o que o público queria eram apenas duas coisas: prisões e impeachments. E apesar de dezenas de personagens acusados de crimes, tivemos apenas uma prisão, que foi cancelada no mesmo episódio que foi declarada. E aí fica a dúvida no público: os vilões terminarão sempre impunes?

Infelizmente os haters da série tem uma certa razão ao chamarem a CPI de CPI do Circo. Não, não vou dizer que a CPI foi inútil e acabou em pizza. Mas o próprio fato de ser possível comparar uma CPI com uma série de TV mostra que a espetacularização dos escândalos, tão falada durante a Lava Jato, continua no nosso cenário político.

Apesar de ser ótimo que milhões de brasileiros tenham acompanhado o dia a dia do Senado de perto, a ponto de senadores se tornarem pop stars; transformar uma investigação de crimes tão sérios como os ocorridos durante a pandemia e criar narrativas (palavra tão desgastada pelo senador Marcos Rogério) maniqueístas acabam por simplificar e idiotizar o debate.

Uma CPI nunca serviu para prender políticos. Apenas o judiciário tem este poder. E na maioria dos casos, CPIs também não servem para gerar impedimentos e fins precoces de mandatos. Para entendermos para que serve uma CPI ajuda lembrarmos como uma CPI é criada.

A CPI é um instrumento da minoria. Basta juntar a assinatura de ⅓ dos membros de uma casa parlamentar para se criar uma. O que isto significa? Que as CPIs são instrumentos para minorias políticas trazer a tona e investigar temas que os interesses da maioria não desejam que venham a tona. Além disto, por ser uma forma de investigação originada no legislativo, serve como alternativa para quando as investigações policiais (ligadas ao executivo) e judiciais ignoram algum tema incômodo.

Portanto, se uma CPI consegue trazer a tona fatos que contrariam os interesses da maioria no Parlamento, e/ou superar a inércia dos meios investigativos dos outros poderes, já será uma CPI bem sucedida.

Não custa lembrar também que o tempo da imprensa, o tempo da política e o tempo do judiciário seguem ritmos diferentes. A imprensa tradicional segue um ritmo diário, o tempo que uma notícia leva para ser impressa em jornais de papel ou ser inclusa nos telejornais. Hoje, com a internet, o tempo da imprensa se mede em minutos. Isso gera a impressão de que se um crime é revelado na mídia, e nada acontece em uma semana, temos um caso de impunidade. A CPI da Covid terminou em novembro de 2021, e em abril de 2022 a maioria dos acusados de crimes sequer foram indiciados. Muito compreensível a frustração e a sensação de impunidade.

Mas o tempo da política é mais lento. Se move na velocidade de acordos, de decisões, de portarias e projetos de lei. E os movimentos mais significativos acontecem a cada biênio, com as eleições. E o tempo judiciário é ainda mais lento. No Brasil, lento demais. Contudo jamais um judiciário que se movesse em horas seria justo com a ampla defesa e o contraditório.

Além disto, mesmo sem ter acontecido muitas consequências judiciais ou legislativas da CPI, já tivemos um enorme número de efeitos políticos e sociais. O mais simples de tudo, ter tornado público diversos fatos que poderiam ter passados desapercebidos da maioria do Brasil. Destaco três: o escândalo da Covaxin, o aplicativo TrateCov e sua relação com a crise de oxigênio em Manaus, e o absurdo “estudo” realizado pela Prevent Senior. Três exemplos de dezenas de fatos que só vieram ao conhecimento público devido a CPI.

Temos a forte pressão política que a CPI gerou para a campanha de vacinação (inclusive com a desaceleração da vacinação após o fim da temporada). E o inegável impacto que a comissão gerou na popularidade e no discurso do Palácio do Planalto.

Por fim, a CPI escancarou a blindagem criada para proteger o Presidente e seus aliados, com o inegável apoio de Arthur Lira e Augusto Aras, que impedem o prosseguimento da investigação dos crimes de responsabilidade e crimes comuns.

Veremos ainda como as coisas irão ocorrer quando os investigados perderem seus foros privilegiados, ou quando ocorrerem trocas na Presidência da Câmara dos Deputados e na PGR. Mas mesmo que não ocorram impeachments e prisões, a CPI já teve grandes consequências.

A diferença entre uma CPI acabar em Pizza ou ter reais consequências não pode ser medida de modo tão simples. Posso inclusive comparar com as duas CPIs da Nova República com as maiores consequências. A CPI do PC Farias foi uma das principais causas do impeachment de Collor. Mas juridicamente o ex-presidente foi inocentado de todas as acusações. Foi inútil? E a CPI do Mensalão não afetou a popularidade ou o mandato do ex-presidente Lula.

Então não julguemos a CPI da Covid pelo fato de que as sugestões de indiciamento ainda não terem gerado os efeitos jurídicos desejados. Julguemos a postura da PGR e da Câmara dos Deputados por sua inércia. E reconheçamos: o Brasil pós CPI da Covid é um país diferente do país pré-CPI.

Ainda não sabemos se a CPI do MEC irá sair. Há muitos fatores a considerar. Mas não vamos nos desiludir e dar de ombros para as ações no Senado por causa daqueles que consideramos que deveriam ser punidos (ainda?) estão impunes. A CPI da Covid cumpriu seu papel. E mesmo que tivesse fracassado, isto não seria motivo para desistir de investigar.

Claro, devemos aprender com aquilo que fracassou. Talvez seja necessário debatermos uma mudança na lei do impeachment. Talvez seja necessário criarmos mecanismos de reação em casos de inércia do PGR. O que não pode acontecer é desistirmos de investigar.

Ainda bem que existe uma forma da minoria conseguir investigar aquilo que a maioria deseja ocultar. Que venham novas temporadas. Já vou renovar minha assinatura gratuita da TV Senado.

*As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews

Quem é Aniello Olinto Guimarães Greco Junior?

Servidor público concursado do Tribunal Superior do Trabalho, Aniello Greco passou tempo demais na universidade, sem obter diploma. Já fingiu ser jogador de xadrez, de poker, crítico de cinema, sommelier de cerveja. Sabe de quase tudo um pouco, e quase tudo mal.


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