Émile Ajar é o pseudônimo de Romain Gary, vencedor do Goucourt, maior prêmio literário da França.
por Myrian Clark em 06/07/22 14:35
Se eu tivesse que definir o livro ” A vida pela frente”, de Émile Ajar, com um único adjetivo, diria que é comovente. Capaz de tocar até mesmo os corações mais gelados e insensíveis. A história se passa na década de 50, num subúrbio pobre de Paris, durante o pós-guerra. O narrador, Mohammed, é um órfão criado por uma ex-prostituta polonesa, sobrevivente de Auschwitz. Apesar de ter sido publicado há mais de 40 anos, o livro segue atual. Mostra a vida de uma comunidade de excluídos social e culturalmente. São pessoas marginalizadas que criam uma rede de solidariedade. Cada um cuidando do outro com os recursos de que dispõem; ao mesmo tempo em que correm atrás do próprio sustento.
O livro é narrado em primeira pessoa por Mohammed, apelido Momô, uma criança cuja idade não se sabe ao certo por conta de documentos falsificados por sua tutora. Há também um mistério em relação aos pais de Momô e ele busca respostas para a sua origem. A escola não acredita na idade registrada em seus documentos e, por isso, ele não tem uma educação formal. Aprende na rua, solto, conversando e ouvindo pessoas de um caldeirão cultural muito diverso. Na França da década de 50, uma lei dificulta às prostitutas terem a guarda de seus filhos e madame Rosa, a tutora de Momô, administra uma espécie de orfanato informal, cuidando das crianças enquanto suas mães trabalham. Algumas visitam seus filhos no “orfanato”, mas Momô nunca recebeu uma visita.
A obra contrasta a inocência e ingenuidade dessa criança com a violência do mundo à sua volta. Momô é ao mesmo tempo muito sonhador e consciente da dificuldade da vida das prostitutas, dos imigrantes, de quem se envolve com drogas ou passa necessidades.
O amor, o envelhecimento e a morte são temas que perpassam a obra toda. E não é um livro triste. Apesar das dificuldades enfrentadas pelos personagens, o autor consegue dar humor e colorido a eles. O livro escancara a vida do imigrante, a angústia de não saber as próprias origens, a dificuldade de se desvincular do passado e viver carente de afeto.
À medida que madame Rosa envelhece, Momô, seu “hóspede” mais antigo, passa a assumir responsabilidades na casa, a cuidar das outras crianças e de si mesmo. Logo na primeira página vê-se o problema de mobilidade de madame Rosa. Cansada, ela não tem mais fôlego para vencer os andares do prédio sem elevadores em que vivem. A vida deles é toda acidentada, mas o olhar de Momô sobre essa trajetória e a relação de amor entre os personagens vai te envolver. O livro tem menos de 200 páginas, e, ao mesmo tempo, é grandioso e abrangente nas reflexões que traz. Momô é um herói-mirim inspirador.
O escritor Romain Gary publicou “A vida pela frente”, livro que assinou com o pseudônimo de Émile Ajar para poder ganhar, violando as regras, o seu segundo Prémio Goncourt. Este prêmio só pode ser concedido uma vez a cada autor e trata-se do mais importante prêmio literário da França.
No dia 17 de Novembro de 1975, o júri do Goucourto reuniu-se e deu o prêmio a Émile Ajar pelo romance “A vida pela frente”. Naquele momento o júri do prêmio foi muito questionado por estar concedendo um prêmio a um autor pouco conhecido. Poucas pessoas tinham visto Émile Ajar em carne e osso. Do escritor havia apenas uma fotografia de um homem em frente ao mar e sabia-se que tinha escrito, também sob pseudónimo, “Gros-Câlin”, o seu primeiro romance.
O júri não deu importância a estes pormenores e foi assim que, sem ninguém saber, Romain Gary (1914-1980) se tornou no único escritor a ganhar duas vezes o Goncourt. O escritor francês já tinha recebido o prémio literário em 1956, pelo romance “As Raízes do Céu”, e voltava agora a ser escolhido com este livro. Só se soube a verdade seis meses depois da sua morte. Muitos autorRomain Gary planejou tudo. Teve atenção aos pormenores para que ninguém suspeitasse de que era ele quem estava por trás de Émile Ajar. Arranjou um cúmplice, contratou advogados e mentiu até para amigos mais íntimos. Antes de se suicidar com um tiro, deixou indicações ao seu filho e ao editor para que o manuscrito “A vida pela frente”, de Emile Ajar, fosse publicado postumamente.
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