Maria Aparecida de Aquino

Eleições 2022

Debates: o passado condena

Momentos presidenciais televisivos são sempre icônicos e podem revelar a complexidade de períodos históricos de um país

por Maria Aparecida de Aquino em 06/09/22 17:39

O título deste texto remete ao filme de 1971, dirigido pelo cineasta Alan J. Pakula: Klute – O passado condena, com Jane Fonda e Donald Sutherland nos papeis centrais. Donald Sutherland é o Private Investigator (P.I. – detetive particular), John Klute, contratado pela família de um empresário desaparecido, da pequena cidade de Tuscarora, na Pensilvânia. Sua única pista era uma carta que ele havia escrito para uma prostituta novaiorquina, Bree Daniels, protagonizada por Jane Fonda. O filme é reconhecido pelo duelo de grandes atores e por apresentar um retrato cruel e pujante dos anos de 1970.

Mas, focando na realidade nacional, vivemos um momento particularmente especial para a nossa conjuntura política. Depois de muito tempo não se assistia a debates presidenciais televisivos tão acalorados entre os concorrentes ao cargo. E, ao mesmo tempo, que despertassem tanto interesse na população.

Entende-se: o Brasil vive uma crise social, política e econômica raras vezes sentida, de forma tão aguda, em nossa História republicana. A miséria atinge largas parcelas da população que não consegue sequer fazer as refeições diárias minimamente indispensáveis à sobrevivência.

Constantemente, dirijo por uma região privilegiada da cidade de São Paulo: a zona Oeste. Passo, quase sempre, pelo alto da Avenida Sumaré. É uma bela avenida arborizada que conduz, se prosseguirmos, à região próxima à Cidade Universitária, onde se localiza o campus da mais importante Universidade da América Latina, a USP. Pois bem, não me lembro, até em tempos bem recentes, de ter visto pessoas sem teto ali estacionadas. Agora isto é visível e as barracas dos menos favorecidos estão espalhadas no alto da Avenida.

Nada mais esperado, portanto, que a classe média que por ali circula, sentindo apertar-se o cerco, demonstrasse um interesse que não teria, em outros tempos, pelos debates presidenciais. Senta-se, durante três horas, em sua poltrona e assiste ao espetáculo dos questionamentos entre candidatos conduzidos pelos jornalistas.

E, como era, também, esperado, o primeiro debate presidencial, de 28/08/2022, transmitido pela Rede Bandeirantes de TV, não decepcionou, com direito até a contendas entre apoiadores nos bastidores. O Presidente da República, fiel ao seu “estilo”, ofendeu uma jornalista porque esta fez uma pergunta que envolvia o comportamento do seu governo durante a pandemia da Covid. Foi o que bastou para que o senhor Presidente dissesse que a jornalista era uma “vergonha para o jornalismo brasileiro”. Um ponto alto residiu em uma resposta do ex-presidente Lula quando questionado por uma das candidatas sobre as realizações de seu governo, afirmou: A senhora diz que não viu o País que eu falei acontecer. O seu motorista viu, o seu jardineiro viu, a sua empregada doméstica viu. A sua empregada doméstica viu este País melhorar.

Nosso passado condena. Debates presidenciais televisivos são sempre icônicos e podem revelar a complexidade de momentos históricos de um país. Para ficarmos apenas em um exemplo, relembremos nossos debates presidenciais de 1989, os primeiros debates eleitorais televisivos do Brasil e, também, os que inauguraram o retorno às eleições diretas presidenciais desde 1960.

Houve dois grandes embates (a melhor palavra é essa) naquela ocasião. No primeiro turno, a Band promoveu um debate mediado por Marília Gabriela que contou com a presença de 9 (nove) dos 11 (onze) convidados dentre os 22 (vinte e dois) concorrentes ao pleito. Não compareceram Fernando Collor de Mello que venceria as eleições e Ulysses Guimarães, o “senhor Diretas” e arquiteto da Constituição de 1988, a “Constituição cidadã”, que rege o país. O candidato Leonel Brizola estava particularmente afiado e, quase adentrando a madrugada, dirigindo-se à população, proferiu uma frase lapidar: Tire este não rotundo que tu tens dentro do peito, referindo-se a Paulo Maluf, candidato da Ditadura Militar que, segundo ele, não deveria ser votado.

No segundo turno de 1989, foram realizados dois debates entre os contendores: Collor e Lula. Um, nos estúdios da extinta TV Manchete e outro na TV Bandeirantes. Este último debate teve direito a uma apresentação dos “melhores momentos” realizada pela TV Globo, no Jornal Nacional. Porém, esses “momentos” acabaram privilegiando Fernando Collor de Mello que teve reproduzidos seus “melhores momentos” realmente, com direito a um minuto e meio a mais. Já Luiz Inácio Lula da Silva teria sido agraciado com seus “piores momentos”. O PT moveu uma ação contra a emissora. Artistas da própria TV, além de intelectuais, protestaram nas suas portas contra a criminosa edição. Mas, o mal já estava feito. Como resultado da edição da TV Globo ou não a vitória de Collor foi garantida com as consequências que todos conhecemos. Dois anos mais tarde, em um rumoroso processo, o primeiro mandatário chancelado por eleições diretas foi afastado do poder.

Aquilo deu nisso, parafraseando o dito popular! O presente nos reserva, certamente, uma realidade mais profícua com a necessária reconstrução deste país, depois de tanto descalabro!

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