O “moço bem preparado” que, segundo seus aliados, não deveria ter sido criticado por Lula, não é ingênuo e, muito menos, inocente, diz historiadora sobre Campos Neto
por Maria Aparecida de Aquino em 02/03/23 09:38
Foto: Marcelo Camargo/Ag. Brasil
O dito popular acima é extremamente conhecido e repetido por quase todos nós na linguagem cotidiana. Como muitos outros provérbios populares não se sabe sua origem, mas alguns o atribuem ao escritor e poeta do romantismo alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) que teria dito: “Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és. Saiba com que te ocupas e saberei também no que te poderás tornar.”
Recorro ao dito popular para me referir a uma realidade bastante contemporânea. O Presidente Lula fez um comentário dirigido ao Presidente do Banco Central Roberto de Campos Neto criticando a política de juros extremamente elevados praticada pela instituição. Não demorou muito para que as vivandeiras de plantão saíssem na defesa de Campos Neto, apelando, entre outras coisas, para o fato de que ele seria “muito preparado”. Na leitura desses defensores a crítica de Lula seria quase uma afronta, um ultraje.
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Embora não tenha sido muito propalado na defesa de Campos Neto pesava seu pedigree, ou seja, sua ancestralidade notória. É neto do Ministro do Planejamento (1964-1967) do governo do Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro da Ditadura Militar brasileira (1964-1985), Roberto Campos maldosamente chamado de “Bob Fields” (Bob por seu nome Roberto e Fields pelo sobrenome Campos), por seu pendor entreguista em relação à economia nacional.
Quando Bob Fields assumiu o cargo de Ministro do Planejamento, em 1964, considerava a inflação o principal problema de nossa economia. Para ele, entretanto, ela se devia, entre outros fatores, aos “excessivos aumentos salariais”. Decretou assim um Programa de grandes cortes orçamentários que passavam pelo controle dos salários. Começou, sob sua batuta, a política salarial característica da Ditadura Militar, a do arrocho salarial.
Ao lado de seu partner, o Ministro da Fazenda, Octávio Gouvêa de Bulhões, fecharam um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) pelo qual seria concedido um crédito ao Brasil em troca de um programa econômico que incluía, entre outras benesses ao exterior, o arrocho salarial e a liberação de remessas de lucros ao estrangeiro.
Tem início o longo pesadelo com a imposição de um reajuste salarial – inicialmente ao funcionalismo público e depois, também, ao setor privado – tomando por base a média dos salários dos dois anos anteriores.
Proibiram-se negociações entre sindicatos e empresas, bem como, a intervenção da Justiça do Trabalho. Isto fez com que patrões reduzissem os salários em até 25% sob o pretexto de dificuldades econômicas. Este fato é reconhecido inclusive por um discípulo de Bulhões e Campos, o também economista da Ditadura Mário Henrique Simonsen, o que torna a constatação insuspeita.
Portanto, ao se conhecer o pedigree de Campos Neto, se torna mais compreensível o mau humor de Lula com o neto do Bob Fields. Realmente “o passado o condena”.
Porém, se o passado o condena, o presente não é diferente. Trabalhou durante duas décadas no setor bancário. Inicialmente no Banco Bozano que depois foi comprado pelo Banco Santander onde permaneceu. Aliado de primeira hora do governo de Jair Messias Bolsonaro, em 2019, foi convidado pelo Ministro Paulo Guedes para assumir o Banco Central onde se encontra. Foi, também, bastante noticiada sua ida às eleições, para exercer o direito de voto, vestido com a camisa da Seleção Brasileira que, naquele momento, estava associada ao bolsonarismo.
Portanto, o “moço bem preparado” que, segundo seus aliados, não deveria ter sido criticado por Lula, não é ingênuo e, muito menos, inocente. Tem um lado, uma opinião, uma posição em relação à economia e à sociedade brasileiras que não se coadunam com os posicionamentos a favor do social que caracterizam os governos petistas e, especificamente, às plataformas defendidas por Lula, tanto na campanha, como no seu início de governo.
Antes de sair na defesa de sua permanência no Banco Central e na crítica às opiniões do governo Lula em relação a Roberto Campos Neto é preciso conhecer a história, o passado e o presente, para se entender qual o lugar social de onde falam seus defensores. Mais do que nunca, quanto mais não fosse, é válido o dito popular: “Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és”.
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