Depois de uma certa idade, e só fica velho quem está vivo, as esperanças tornam-se mais frágeis
Em 02/01/24 15:55
por Balaio do Kotscho
Ricardo Kotscho, 75, paulistano e são-paulino, é jornalista desde 1964, tem duas filhas, 5 netos e 19 livros publicados. Já trabalhou em praticamente todos os principais veículos de mídia impressa e eletrônica. Foi Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (2003-2004). Entre outras premiações, foi um dos cinco jornalistas brasileiros contemplados com o Troféu Especial de Direitos Humanos da ONU, em 2008, ano em que começou a publicar o blog Balaio do Kotscho, onde escreve sobre a cena política, esportes, cultura e histórias do cotidiano
Estava eu sossegado num quiosque, logo cedo, tomando um café e lendo meu jornal, quando uma senhorinha de idade com forte sotaque alemão se aproximou, ar de preocupada:
– Com licença… Posso lhe fazer uma pergunta?
– Pois não, se eu souber responder…
– O mundo está acabando?
Passado o susto da pergunta, feita assim de supetão, no segundo dia do novo ano, olhei bem para ela e procurei acalmá-la.
– Não, minha senhora, ainda não, mas as notícias do jornal não são nada animadoras…
Pela nossa idade, nós não vamos ver o mundo acabar, mas parece que os terráqueos estão fazendo o possível para acelerar o processo.
Terremoto no Japão, enchentes em Minas Gerais, seca na Amazônia, as guerras da Ucrânia/Russia e da Palestina/Israel, fora todas as outras, o doido da Coréia do Norte ameaçando soltar armas nucleares, o louco varrido da Argentina anunciando seu plano para acabar com os argentinos, os americanos e o resto do mundo correndo o risco de cair novamente nas mãos sinistras de Donald Trump, Putin cavando o enésimo mandato sem concorrentes, a China comuno-capitalista espalhando seu poder pelo mundo, a CBF sem presidente e a seleção brasileira sem técnico… E o que mais?
A humanidade não está se comportando bem, comentaria o filósofo popular Ronald Golias, aquele grande humorista do século passado. Cada vez mais desumanas, as relações entre países e pessoas em permanente conflito, dentro e fora de suas fronteiras, há tempos flertam com o Apocalipse, o fim dos tempos temido pela minha interlocutora germânica.
Apesar de tudo, sobrevivemos até aqui, e procuro animá-la em seu passeio matinal, empurrando o andador de rodinhas para não cair:
– Olha lá, o sol saiu, as nuvens estão indo embora e nós continuamos respirando por mais um dia… Quem sabe amanhã tenhamos notícias melhores, vindas de não sei onde…
Balançando a cabeça, ela não se convenceu muito. Depois de uma certa idade, e só fica velho quem está vivo, as esperanças tornam-se mais frágeis, mas precisamos preservá-las com muito carinho para não desesperançar de vez.
Basta ver o que aconteceu com o Brasil de um ano para outro. Parece que voltamos a viver num país normal, sem sair daqui, apenas trocando o supremo mandatário. Outro dia escrevi aqui que, pelo menos, saímos do inferno, e as muitas resenhas que li neste final de ano concordaram num ponto: 2023 foi o ano do alívio, pudemos voltar a respirar sem sustos.
A passagem do ano no calendário levou multidões às ruas e praças de todo o país, dançando e cantando, se reencontrando consigo mesmas e a alegria de viver, sem medo de ser feliz amanhã. O réveillon antecipou o Carnaval de fevereiro, mas hoje é dia de pagar os boletos e fazer as contas para o salário chegar no final do mês.
Vida que segue.
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