E eu só queria falar do Carnaval… Não é mesmo fácil este ofício de escrever sobre o cotidiano, mas eu não sei fazer outra coisa
Em 15/02/24 18:45
por Balaio do Kotscho
Ricardo Kotscho, 75, paulistano e são-paulino, é jornalista desde 1964, tem duas filhas, 5 netos e 19 livros publicados. Já trabalhou em praticamente todos os principais veículos de mídia impressa e eletrônica. Foi Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (2003-2004). Entre outras premiações, foi um dos cinco jornalistas brasileiros contemplados com o Troféu Especial de Direitos Humanos da ONU, em 2008, ano em que começou a publicar o blog Balaio do Kotscho, onde escreve sobre a cena política, esportes, cultura e histórias do cotidiano
São Paulo (SP) 10/02/2024 - Desfile da Escolas do Grupo Especial no Sambodromo do Anhembi, escola de Samba Vai-Vai. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
Para os leitores que porventura tenham estranhado minha ausência do Balaio, que escrevo ininterruptamente há mais de 15 anos, explico aqui os motivos.
Não foi por nenhuma razão de força maior ou problema de saúde. Simplesmente, parei por uns dias para repensar este nosso ofício de escrever em tempos de redes sociais, jornalismo online, inteligência artificial, tudo aquilo que não havia quando iniciei minha carreira em 1964, logo após o golpe militar, e que viraram as comunicações humanas de pernas para o ar com o advento da internet.
Para que escrevemos, afinal, se o mundo já está se afogando em informações e opiniões demais?
Sempre achei que a gente só deveria escrever por necessidade: além de receber um salário, deveria ser só quando temos alguma coisa nova e boa para contar, que possa ajudar as pessoas a entender melhor o mundo e o nosso país.
Me preocupo em não desanimar os leitores ao final de um comentário sobre a realidade em que vivemos. Ao contrário, procuro sempre dar um alento, arrancar um sorriso, botar fé de que é possível mudar o rumo das coisas que nos afligem. Quem me acompanha desde que comecei a escrever o blog sabe disso.
Mas, ultimamente, pela primeira vez nestes 15 anos, encontro dificuldades para encontrar temas que me obriguem a abrir o computador de manhã para comentar sobre eles. Por vezes, me parece que tudo já foi dito, noticiado e comentado em todas as plataformas.
Hoje, por exemplo, estava disposto a escrever sobre o Carnaval mais alegre e pacífico dos últimos anos, por sugestão da Alice Rabello, jovem e entusiasmada jornalista que é minha parceira no programa “Pergunte ao Kotscho”, que vai ao ar toda quarta-feira, às 16h30, ao vivo, aqui mesmo no My News.
Depois do sufoco dos últimos anos de pandemia e ameaças golpistas, foi o primeiro Carnaval em que milhões de brasileiros, em todos os cantos do país, soltaram o grito preso na garganta e se esbaldaram a valer, sem pensar no amanhã. Foi bonito, pá…
Bem que eu queria, Alice, mas…
… ao raiar da Quarta-feira de Cinzas, em que multidões ainda pulavam e cantavam por toda parte para encerrar a festa com chave de ouro, dois presos de alta periculosidade fugiram pelo alambrado da penitenciária de segurança máxima de Mossoró (RN), um fato que chocou o país pelo ineditismo, pois isso nunca tinha acontecido antes.
Ainda desconhecemos a gravidade dessa fuga, pois certamente não bastou pagar suborno a um carcereiro para cometer esta ousadia, que afronta o poder público e pode deixar sequelas no combate à criminalidade organizada fora de controle.
Tudo foi muito bem planejado e executado, até o dia escolhido. No momento em que escrevo, 30 horas depois, ainda não há sinais dos fugitivos. Além deles, e das suas facções criminosas, a quem mais interessava gerar insegurança na população, criar um clima de caos e medo no momento de transição do Ministério da Justiça, de Flávio Dino para Ricardo Lewandowski, que ainda estava organizando seu gabinete?
Uma velha amiga me fez essa pergunta hoje de manhã, e eu também já tinha pensado nisso, mas não sei a resposta. A Polícia Federal, a esta altura, deve também estar investigando os mentores e beneficiários desse crime cometido por dois bandidos do Acre, transferidos de Rio Branco para Mossoró, um dos cinco presídios de segurança máxima instalados no país desde 2006, que pareciam inexpugnáveis.
Tem muita gente solta por aí que ainda não se conforma com o ambiente de quase normalidade institucional que vivemos desde o início do ano passado e procura, por todos os meios, legais ou não, impedir o novo governo de governar e pacificar o país. À medida em que o cerco judicial e policial se fecha contra os mentores, financiadores e executores da intentona de 8 de janeiro, pode estar batendo o desespero nessa gente, que já se mostrou capaz de tudo.
Os dois fugitivos de Mossoró podem ser presos a qualquer momento, mas só voltaremos a viver em plena normalidade democrática quando saírem de circulação todos os que atentaram contra o Estado de Direito para permanecer no poder, e a ele querem retornar. Todo cuidado é pouco nesta hora. Uma vez aberta a porteira do precedente, o estouro da boiada pode acontecer de novo.
E eu só queria falar do Carnaval… Não é mesmo fácil este ofício de escrever sobre o cotidiano, mas eu não sei fazer outra coisa.
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