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COLUNA DA SYLVIA

Malandragem argentina como arte

"Nove Rainhas", que projetou o novo cinema argentino em 2000, ganha versão remasterizada e comemorativa, revelando muito da Argentina contemporânea

Em 29/02/24 16:39
por Coluna da Sylvia

Sylvia Colombo nasceu em São Paulo. Foi editora da Ilustrada, da Folha de S. Paulo, e atuou como correspondente em países como Reino Unido, Colômbia e Argentina. Escreveu colunas para o New York Times em Espanhol, o Washington Post em Espanhol, e integra os podcasts Xadrez Verbal e Podcast Americas. Entrevistou a vários presidentes da regão. Em 2014, participou do programa da Knight Wallace para jornalistas na Universidade de Michigan. É autora do "Ano Da Cólera", pela editora Rocco, sobre as manifestações de 2019 em vários países da regiõa. Vive entre São Paulo e Buenos Aires, enquanto viaja e explora outros países da Latam

Em primeiro lugar, é preciso dizer que “Nove Rainhas”, filme argentino de 2000 que inaugurou a chamada nova onda do cinema argentino, continua tão divertido como naquela época. A história de dois trambiqueiros que vivem de golpe em golpe nas ruas de Buenos Aires continua revelando muito da cultura, do idioma e dos costumes portenhos. A obra reestreou na Argentina agora, 24 anos depois, remasterizada e visualmente mais atraente, ainda que a trama ainda seja o melhor de tudo. 

“Nove Rainhas” foi dirigida por Fabián Bielinsky, então promissor nome entre os novos cineastas argentinos, que morreu de um infarto num hotel de São Paulo, em 2006. 

É estrelada por Ricardo Darín (Marcos) e Gastón Pauls (Juan). Antes que alguém diga “mas outra com o Darín?”, vale o aviso, este é o primeiro filme que o catapultou para o êxito retumbante que o ator possui ainda hoje.

A trama gira em torno de uma espécie de disputa entre Marcos e Juan para ver qual dos dois tem mais habilidade em truques para enganar vendedoras de quiosques, idosas que vivem sozinhas e garçons de cafés. 

A coisa se complica quando ambos se propõem a um salto maior, tentar vender a um espanhol milionário uma versão falsificada de uma coleção de selos raríssima.

Vários personagens se metem na história desde a bela Valéria (Letícia Brédice), irmã de Marcos, a falsificadores, colecionadores e vários tipos de vigaristas. 

O que ninguém espera, e que não seria um spoiler para um filme de mais de 20 anos, é que há um plot twist e se revela, ao final, um grande golpe de um dos trambiqueiros contra o outro. 

Mas, o que mais podemos interpretar a partir do filme? Uma das leituras possíveis é de que os argentinos estão acostumados a qualquer tipo de ginástica ou de truque para viver em uma crise financeira e também que estas sempre estão presentes na história recente do país. 

Outra, que Buenos Aires é uma cidade tão viva que se torna um palco por si só para diversas histórias. Mais de 90% da película ocorre na rua. 

Em terceiro lugar, que o inesperado sempre pode piorar algo que vai mal. Por exemplo, quando Marcos vai ao banco com um cheque na mão para sacar uma pequena fortuna vinda de um golpe, já começam a se fazer visíveis o que seria a crise de 2001. 

Dezenas de clientes impedidos de entrar, os bancos já fechavam suas portas, a paridade 1 dólar para 1 peso diluiu-se rapidamente rapidamente, decisão de políticos frágeis, como Fernando De La Rúa. Todos querem, e não podem, tirar dólares de suas contas, por conta do “corralito”, enquanto os bancos e suas portas de vidro eram ameaçados por hordas inconformadas em não ter acesso à moeda estrangeira em suas contas-corrente. Moeda esta que, desde há muito, reina na Argentina e leva a alguns políticos, até hoje, a enfeitiçar os argentinos com a ideia de que a dolarização é a única solução para a crise argentina.

Por fim, a inevitável visão de que, por aqui, tudo parece ser cíclico. As preocupações, os problemas, as angústias dos argentinos nas vésperas do “estallido” do ano 2001 não se diferenciam muito das de hoje. 

Neste sentido, “Nove Rainhas”, além de entretenimento, é também educativo sobre o país vizinho ao Brasil. 

Não há previsão da estréia remasterizada fora daqui, mas a versão tradicional, disponível em plataformas de “streaming” no Brasil, serve perfeitamente para esta leitura distanciada no tempo e muito mais esclarecedora hoje do que era no ano 2000.  

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