Compreendo a cautela de pessoas progressistas em fazer críticas desse tipo, temendo desestabilizar ou enfraquecer o governo Lula.
Em 18/03/24 19:23
por Conversas com Cid
Cid de Queiroz Benjamin é um jornalista e político brasileiro. Nos anos 1960 e 1970, militou na luta armada, tendo sido dirigente do movimento estudantil em 1968 e integrante da resistência à ditadura militar, responsável pelo setor armado do Movimento Revolucionário Oito de Outubro.
Confesso que me vi em palpos de aranha diante do pedido de um amigo estrangeiro para classificar o governo Lula. Petistas afirmam que ele é de centro-esquerda. Penso que, com boa vontade, pode ser apontado como de centro. Mas, é forçoso reconhecer: muitas vezes, se comporta como de centro-direita. E uma coisa é certa: o governo Lula não é de reformas.
Não vale citar como exemplo para sustentar o contrário o que foi chamado de reforma tributária. As mudanças — aliás, aplaudidas pelos bancos — não chegaram nem perto de sanar injustiças gritantes, que fazem assalariados de classe média pagarem mais imposto do que o grande capital. Elas simplesmente tornaram mais racionais alguns procedimentos. Positivo? Sim. Significativo?
Não.
No governo Lula 3, tal como em gestões anteriores do PT, gente alinhada com os bancos está à frente da economia. E a condução da economia é um critério fundamental para se definir o caráter de um governo. Deixando de lado aspectos relacionados à honestidade pessoal e ficando apenas nas políticas implementadas, há diferenças marcantes entre Antônio Palocci, Joaquim Levy, Fernando Haddad e, até mesmo, exagerando-se um pouco, Paulo Guedes? Penso que não.
É preciso ver a realidade como ela é e não simplesmente aceitar o que um diz de si. Exemplo: recentemente, o governo divulgou numa peça publicitária a imagem de Lula com as duas mãos espalmadas diante do corpo — num gesto às vezes usado, de forma grosseira, para mostrar o tamanho do órgão genital masculino. Abaixo, a legenda falava de um suposto “Pibão” do Lula. Em matéria de mau gosto, a idiotice ficou nivelada à expressão “imbroxável”, usada por Bolsonaro.
Mas não é só isso a ser registrado na peça publicitária do impagável ministro Pimenta. Há uma observação de conteúdo. Como não houve diferença significativa entre a variação do PIB no último ano de Bolsonaro e no primeiro ano de Lula, como falar num suposto “Pibão” do atual presidente?
Num livro saído recentemente pela Editora Ubu — “Alfabeto das colisões” — Vladimir Safatle afirmou que a esquerda brasileira se transformou num amontoado de defensores de pautas identitárias que não se articulam e não vão a lugar algum. É difícil negar que Safatle não tenha razão, embora seja discutível uma conclusão peremptória a que chega: “A esquerda brasileira morreu como esquerda”. A afirmação parece definitiva demais.
Mas Safatle tem razão quando fala que nossa esquerda se assemelha a uma constelação de progressismos vazios, formada por gente que imagina estar combatendo a desigualdade ao falar em “amigas, amigos e amigues”. Francamente…
A candidatura de Lula prestou um enorme serviço ao País ao impedir a reeleição de Bolsonaro, com tudo o que isso acarretaria de nefasto. Outro nome certamente não venceria a disputa. Mas, diz Safatle chama a atenção para um ponto: hoje quem trava a luta política e ideológica, mobilizando a sociedade é a direita. “[é ela que tem] a força que tem capacidade de ruptura, tem estrutura e coesão ideológica”.
Num quadro internacional que, em aspectos, se assemelha ao da década de 30, no Brasil quem mais cresce é a direita e o cenário não parece promissor para as forças progressistas. Reverter a situação exigiria outro comportamento do governo Lula. Primeiro, que seus ministros se preocupassem menos com interesses próprios, com suas candidaturas para governos estaduais, com boquinhas em conselhos de administração de estatais ou com sinecuras para suas mulheres em tribunais de contas.
Matéria recente do UOL mostra que quase a metade — sim, quase a metade! — dos 38 ministros de Lula ocupa cargos em conselhos de empresas e fundações federais, acumulando vencimentos. A remuneração adicional pode chegar a R$ 36 mil. Será que o salário de ministro é insuficiente?
Uma pesquisa sobre o número de governadores petistas que emplacaram em tribunais de contas estaduais suas mulheres não traria um resultado melhor. Isso tudo não passa imagem de pouca seriedade? Ou será que essa crítica é udenista e coisas assim devem ser vista como naturais? Penso que não. Elas contribuem para desgastar a imagem da política e dos políticos, o que só serve aos conservadores. Afinal, é pela política que as coisas podem mudar.
Compreendo a cautela de pessoas progressistas em fazer críticas desse tipo, temendo desestabilizar ou enfraquecer o governo Lula. Nas atuais circunstâncias, a alternativa imediata a Lula seria de extrema-direita. Mas, como ajudar numa mudança de rumos sem criticar?
Outro fator, fundamental: Lula precisa mostrar firmeza e politizar certos conflitos, levando-os para a sociedade. Negociações a portas fechadas com evangélicos, com o Centrão ou com os militares são espaços apropriados para chantagens. E isso não serve à democracia.
Ou as esquerdas — e isso envolve não só Lula, o PT e o governo, mas vale também para as demais forças progressistas e de esquerda — tratam de mobilizar a sociedade e de levar a luta política para ela, coisa que só a direita tem feito, ou as coisas podem não acabar bem.
Depois não adianta chorar sobre o leite derramado.
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