Supremo autorizou o pagamento de despesas relacionadas ao combate a incêndios e à seca na Amazônia e no Pantanal fora da meta de resultado primário
por Daniel Couri em 18/09/24 15:59
Ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF) | Foto: Roque de Sá/Agência Senado via Flickr
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito da ADPF 743, autorizou o pagamento de despesas relacionadas ao combate a incêndios e à seca na Amazônia e no Pantanal fora da meta de resultado primário. Após a decisão, o governo anunciou a abertura de um crédito extraordinário de R$ 514 milhões para essa finalidade, mas não há garantias de que os gastos parem por aí. Como o STF não especificou nenhum limite, o cheque está em branco.
A justificativa por trás da decisão usa uma falsa dicotomia entre responsabilidade ambiental e responsabilidade fiscal. Segundo a decisão do STF, em momentos críticos como o atual, a responsabilidade ambiental deveria prevalecer sobre a fiscal.
Você talvez já tenha ouvido narrativa parecida antes, provavelmente por meio do propagado confronto entre responsabilidade social e responsabilidade fiscal. Esse tipo de disputa é apenas um espantalho, pois não existe de verdade, mas é útil para justificar gastos sem cortes em outras áreas.
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Para quem quiser explorar alternativas, o modelo é simples: escolha um adjetivo que qualifique a responsabilidade (sugestão: busque algo na Constituição) e faça parecer que ela é incompatível com a responsabilidade fiscal.
Os créditos extraordinários já existem para atender a situações urgentes e imprevisíveis, como as que enfrentamos agora. Nesse contexto, a decisão do ministro do STF de autorizar as despesas com emergência ambiental por meio de créditos extraordinários tem pouca relevância.
O problema não está na viabilização do gasto, mas no impacto que ele causa no resultado, o que exige compensação futura. Por essa razão, o crédito extraordinário é uma exceção à regra que limita as despesas primárias, mas não à que fixa a meta de resultado primário, garantindo que o aumento de despesas seja compensado, em algum momento, com o incremento temporário de receitas ou o contingenciamento de despesas menos prioritárias.
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Se o objetivo é criar uma exceção à meta fiscal, isso deve ser feito por quem aprova o orçamento e define a própria meta: o Congresso. É importante lembrar que, em 2023, o Congresso determinou que a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) não seria mais uma via possível para a criação de exceções à meta fiscal, fechando uma porta historicamente utilizada pelo governo federal para flexibilizar suas regras.
Em casos extremos, como na pandemia, a legislação também permite a suspensão temporária da meta fiscal, desde que aprovada pelo Congresso Nacional.
Porém, recorrer ao Legislativo exige tempo e esforço político. Cortar despesas para compensar o impacto de um crédito extraordinário tampouco é uma tarefa fácil. Com isso, o caminho mais simples tem sido acionar o Judiciário, evitando assim o desgaste de negociações e tramitações no Congresso.
A recente decisão de Flávio Dino se aproveita de uma fresta aberta no fim de 2023, quando o STF permitiu o pagamento de passivos de precatórios fora dos limites das regras fiscais. O precedente está lançado, e qualquer governo que queira gastar sem se prender às regras fiscais já sabe a quem recorrer.
O risco desse tipo de decisão é evidente: ao transformar qualquer responsabilidade constitucional em um argumento para flexibilizar as normas fiscais, abre-se espaço para que o STF seja acionado novamente com uma justificativa conveniente. No entanto, é o equilíbrio entre a responsabilidade fiscal e os demais compromissos do Estado que realmente controla o incêndio dos gastos públicos.
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