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Revisão de gastos e potencial de criação de espaço fiscal

Longe de ser uma ação emergencial, espera-se que o processo regular de análise propicie ganhos de longo prazo às políticas públicas e ao orçamento

por Clara Marinho em 01/10/24 11:14

Não há uma metodologia única de revisão de gastos, mas existem boas práticas que podem ser adotadas | Foto: Pixabay

A revisão de gastos refere-se ao processo regular de análise e avaliação de gastos públicos com o objetivo de identificar áreas em que é possível ampliar a eficiência alocativa e priorizar gastos estratégicos. Sua relevância ampliou-se no pós-crise de 2008, com a consolidação fiscal dos países centrais. A revisão de gastos não se confunde com cortes no orçamento anual: longe de ser uma ação emergencial, o que se espera é que ela propicie ganhos de longo prazo às políticas públicas e aos resultados fiscais. Também não há uma metodologia única de revisão de gastos, porque ela depende da institucionalidade e do processo orçamentário de cada país. O que não quer dizer que não seja possível apontar quais são as suas melhores práticas.

Na OCDE, instituição que reúne os países mais ricos do mundo, documento recente destaca boas práticas de revisão de gastos adotadas por seus membros, a saber: (1) estabelecer objetivos claros e escopo bem definido; (2) assegurar viabilidade e sustentabilidade com apoio da alta liderança e da expertise de servidores públicos; (3) estabelecer a governança com papéis e responsabilidades claras na alta liderança (Ministério de Finanças, Ministérios de linha e Gabinete), grupos diretivos e grupos de trabalho; (4) integrar ao processo orçamentário; (5) atribuir e implementar recomendações de forma transparente, com monitoramento; (6) garantir transparência dos relatórios de revisão de gastos, bem como todos os aspectos que lhe dão suporte; e (7) atualizar a estrutura de revisão de gastos para enfrentar os desafios em constante mudança.

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Embora o Brasil não tenha acompanhado a primeira onda internacional de revisão de gastos, sua implementação a partir de 2023 tem permitido a observância destes aspectos para construção da sua própria institucionalidade.

Em primeiro lugar, o Congresso aprovou uma mudança na Constituição em 2021, seguida de uma mudança na Lei de Responsabilidade Fiscal em 2023 – proposta no bojo do Regime Fiscal Sustentável –, em que coloca ao Poder Executivo a responsabilidade de apresentar no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) as estimativas de impacto fiscal das recomendações de mudanças resultantes das avaliações de políticas públicas.

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Também em 2023, o Poder Executivo, por meio do Ministério do Planejamento e Orçamento, criou áreas responsáveis pelo assunto na Secretaria de Orçamento Federal e na Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos. Definido o grupo de trabalho responsável destas duas secretarias, foi elaborada sua primeira proposta de governança. Na sequência, um grupo mais amplo foi criado, com participação do Tesouro Nacional, quando os temas passíveis de revisão foram levantados e analisados. Validadas as propostas nas instâncias relativas ao processo orçamentário regular, das quais a principal é a Junta de Execução Orçamentária, chegou-se a duas políticas públicas a serem revisadas: os benefícios previdenciários geridos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro).

Como informa o Projeto da LDO de 2025 (PLDO) 2025, as escolhas devem-se ao caráter obrigatório destas despesas e sua contribuição à limitação do poder de agenda do Executivo, na medida em que comprimem o espaço da despesa discricionária. No caso dos benefícios do INSS, estima-se uma economia anual de cerca de R$ 7 bilhões por ano em 4 anos, totalizando uma economia de R$ 28,6 bilhões. São as ações de gestão para alcance deste resultado: (1) simplificação do processo de concessão do auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença); (2) prevenção de fraudes; e (3) cobrança de benefícios indevidos. Na Mensagem Presidencial que acompanha o PLOA 2025, anunciou-se também (4) a reavaliação de benefícios por incapacidade; e (5) ações de qualificação do monitoramento e reavaliação do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

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Quanto ao Proagro, programa que garante o pagamento de financiamentos rurais em caso de perdas na lavoura por conta do clima ou de pragas, estima-se uma economia anual de R$ 2 bilhões, perfazendo uma economia total de R$ 8,7 bilhões em 4 anos. As linhas de atuação para alcance do resultado são: (1) melhoria da focalização do Programa; (2) limitação do uso de recursos públicos em áreas de risco elevadas; e (3) criação de um teto para pagamento de garantia de renda mínima. No PLOA 2025, acrescentou-se à lista (4) a definição de novas alíquotas que reflitam melhor o risco das operações, afirmando-se também que todas elas já foram implementadas por resoluções do Conselho Monetário Nacional (CNM).

O PLDO também sinaliza outras frentes de revisão de gastos. Primeiro, o seguro defeso – cuja revisão já está em execução, conforme Mensagem do PLOA. Segundo, os benefícios fiscais – tributários, financeiros e creditícios, os quais consomem cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB). Terceiro, revisões de eficiência e estratégicas de políticas públicas – sem especificação, diga-se, sobre quais áreas setoriais serão objeto deste esforço. Os prazos de apresentação de estimativas de economia não foram apresentados, mas a julgar por declarações públicas já feitas, as estimativas plurianuais de economia devem ser apresentadas no PLDO 2026.

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Exposto o esforço governamental, diria que pelo menos dois aperfeiçoamentos ao processo de implementação são importantes, visando ampliar sua confiabilidade. O primeiro é ser ainda mais específico na comunicação pública sobre a revisão de gastos. Revisar para repriorizar em que, por exemplo? O recurso economizado ficará inteiramente à disposição dos setoriais como recompensa ao seu esforço institucional ou será alocado nas prioridades do PPA 2024-2027? Se sim, qual será atendida primeiro e em que proporção?

O segundo é publicizar amplamente os grupos de trabalho, seus papéis, os processos, as metodologias e os relatórios da revisão de gastos, visando ampliar o controle social sobre o processo. Se o mercado está interessado nos seus números por ocasião da sustentabilidade fiscal, por exemplo, movimentos sociais também estão – mas em outro registro: tanto a rodada atual de revisão de gastos, como as novas frentes em organização sugerem a reestruturação de benefícios sociais para trabalhadores.

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Por fim, há um ponto crucial na revisão de gastos fora do alcance do Poder Executivo: a relativa ausência do Poder Legislativo e suas principais lideranças na discussão. Isso existisse, a lista de políticas públicas para a revisão de gastos seria outra. A questão dos benefícios fiscais e seus impactos no crescimento econômico, na geração de empregos e inovações, por exemplo, já poderia estar na mesa com opções de economia. Afinal, parece bastante razoável aplicar ao setor privado métricas de resultado pelo uso recursos públicos.

Se o Poder Legislativo permanecer ausente da revisão de gastos, corremos alguns riscos. Primeiro, não revisar o que é preciso ser revisado. Segundo, não aprovar as mudanças legais necessárias para implementar as melhorias daquilo que foi revisado. Terceiro, usar o espaço fiscal criado para ações dispersas e pouco estruturantes, em vez de ser direcionado para as prioridades do Poder Executivo, as quais refletem a vontade nacional expressa nas urnas.

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A maximização de eficiência do gasto não está dada ou acontece no vazio. Há escolhas sobre quem paga a conta primeiro e em que extensão, e onde os recursos são realocados, que dependem das elites políticas e burocráticas em interação com a sociedade civil. O compromisso do Poder Executivo com o ajuste é evidente, apesar das necessidades de ajuste na comunicação e na transparência. E o envolvimento genuíno do Congresso na agenda é fundamental, visando garantir a consistência e o alinhamento da revisão de gastos com a política fiscal. Do contrário, o impacto fiscal das propostas será limitado, condicionado a aperfeiçoamentos de responsabilidade exclusiva do Planalto.

Por fim, dedico este texto a três mulheres do Ministério do Planejamento e Orçamento na estruturação da revisão de gastos, cujas contribuições têm passado desapercebidas, mas têm sido fundamentais para o avanço da agenda: Elaine Xavier, Subsecretária de Temas Transversais; Mirela Carvalho, ex-Secretária Adjunta de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos; e Rebeca Regatieri, Subsecretária de Revisão do Gasto Público.

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