Decisão da montadora refletiria processo de desindustrialização vivido pelo Brasil
por Vitor Hugo Gonçalves em 12/01/21 19:00
Na última segunda-feira (11), a fabricante multinacional estadunidense de automóveis Ford anunciou o encerramento de sua produção no Brasil após 101 anos de operação em solo nacional. A decisão impacta as fábricas de Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE). Mas a retirada da montadora, contudo, não é considerada uma surpresa pelo mercado.
Para a economista-chefe da empresa independente de gestão de recursos Gap Asset, Anna Reis, a saída sem aviso prévio ou explicações consolida um processo de alteração estrutural da companhia, que, há alguns anos, vinha anotando certos prejuízos na América do Sul.
“A surpresa é o tipo de informação que rege o mercado, como algo ‘fora do radar’. A Ford, no entanto, já estava há vários anos sem fazer investimentos relevantes no Brasil, registrando prejuízos na América Latina, caindo na participação de mercado”, explicou Reis em participação no Morning Call desta terça-feira (12).
Dividindo economistas e especialistas do setor, o fenômeno da desindustrialização voltou ao debate a partir do anúncio da Ford.
Em um comunicado oficial sobre o fechamento das fábricas, Lyle Watters, presidente da montadora na América do Sul, afirmou que a decisão foi tomada “à medida em que a pandemia de Covid-19 amplia a persistente capacidade ociosa da indústria e a redução das vendas, resultando em anos de perdas significativas”.
Para concessionárias, foram encaminhadas notas com informações mais detalhadas, informando que “desde a crise econômica em 2013, a Ford América do Sul acumulou perdas significativas”, demandando auxílios financeiros da matriz estadunidense, “o que não é mais sustentável”.
Reis esclareceu que em relação ao Brasil, “o processo de desindustrialização já ocorre há muitos anos.” A manifestação, segundo ela, ocorre “devido ao ‘Custo Brasil’, que envolve cargas tributárias super altas, um elevado custo trabalhista (com diversos encargos) e custos regulatórios, já que não há uma estabilidade… Isso não é uma novidade, não é algo desse governo, nem do último, nem do penúltimo.”
Nesse contexto, a competitividade industrial nacional, caracterizada também pelo Custo Unitário do Trabalho (CUT), ao relacionar o salário médio pago com a produtividade da mão de obra, elucida o desempenho fabril brasileiro, revelando interesses domésticos e internacionais quanto aos investimentos no setor.
“Pela primeira vez, estamos um pouco mais competitivos. Na época em que o câmbio estava muito valorizado, o custo de trabalho era alto, sendo caro produzir aqui. Agora, em padrões históricos, está baixo”, afirmou a economista. Pode-se dizer, então, que a surpresa – se, de fato, há alguma – foi por essa razão: “o Brasil está barato, competitivo para se produzir aqui, e a Ford fechou as portas”, completou.
Quanto às projeções do setor, Reis compreende que “o mercado olha muito para frente. Em vez de se perguntar ‘como chegamos aqui?’, é mais importante questionar ‘será que o fechamento da Ford tem alguma implicação?’. Na economia teremos a perda de cerca de 6 mil empregos, o que é um problema, mas um aspecto ainda mais delicado é o impacto político.”
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), declarou que a saída da montadora “é uma demonstração da falta de credibilidade do governo brasileiro, de regras claras, de segurança jurídica e de um sistema tributário racional”.
Contudo, para Reis, “o Ministério da Economia, ao contrário do passado, é um super ministério, já que unificou várias pastas que antes eram separadas, como o Ministério da Indústria e o Ministério do Planejamento, deixando tudo sob o guarda-chuva do Paulo Guedes. Então, uma possível implicação política da saída da Ford, que pode trazer alguma preocupação para o mercado, é o impacto sobre a imagem do Guedes, que não estaria dando conta de controlar todas as questões, desmembrando, novamente, o ministério.”
Caracterizado pela base de apoio bolsonarista como detentor dos poderes econômicos – uma prova do prestígio dele junto ao presidente –, Guedes pode sofrer certa deterioração frente ao grupo: “Desmembrar o ministério pode gerar uma preocupação em torno dessa perda de poder e prestígio da pasta”, finalizou.
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