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TRÊS PODERES

Anulações abalam a esperança em um país sem corrupção

Extinção das condenações de José Dirceu nesta semana, por decisão monocrática de Gilmar Mendes, é mais uma determinação que nos leva à descrença na Justiça

por Tiago Mitraud em 30/10/24 15:03

José Dirceu participa de seminário da militância do PT em Teresina (PI) | Foto: Reprodução Instagram/@zedirceuoficial - 03.05.2024

Lembro-me bem de quando, no começo da década passada, circulava no Brasil a anedota de que os brasileiros conheciam mais os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) do que os jogadores da seleção. Depois de eliminações em 2006 e 2010, a população estava decepcionada com o futebol e alarmada com os gastos exorbitantes para sediar a Copa de 2014. A última coisa que queríamos saber eram os jogadores escalados.

Os 11 ministros do STF, por outro lado, simbolizavam um orgulho inédito: representavam a esperança de justiça em um país sufocado pela impunidade. O julgamento do mensalão foi um marco repleto de simbolismos. Pela primeira vez, víamos políticos influentes sendo responsabilizados por um esquema de compra de votos que envolvia o alto escalão do governo e do Congresso. Os ministros do STF se tornaram figuras nacionais. Era o fim da impunidade no Brasil, pensávamos.

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Pouco depois, a Operação Lava Jato avançou sobre esquemas de corrupção ainda maiores, e tudo indicava que estávamos, de fato, em um caminho sem volta contra a corrupção.

Mais de uma década depois, porém, continuamos sabendo os nomes dos ministros do STF, mas não mais pelos mesmos motivos. Em vez do orgulho pela justiça, esses nomes – alguns ainda os mesmos – continuam frequentes nas manchetes, mas agora registrando retrocessos na luta contra a corrupção que o próprio STF já liderou.

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A anulação das condenações de José Dirceu nesta semana, por decisão monocrática de Gilmar Mendes, é, infelizmente, apenas mais uma decisão que nos leva à descrença no processo judicial no país.

Com a anulação de suas condenações na Lava Jato, Dirceu, que já havia tido sua condenação no mensalão extinta após um indulto presidencial de Dilma Rousseff, agora está livre para disputar novamente eleições.

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Infelizmente, Dirceu não é caso isolado. Dias Toffoli também anulou condenações na Lava Jato, incluindo a de empresários como Léo Pinheiro, que havia confessado seus crimes. Toffoli suspendeu ainda as multas da J&F, controladora da JBS, dos irmãos Batista, empresa que admitiu ter corrompido autoridades para favorecer seus negócios.

Estes são apenas os nomes mais recentes da lista de “descondenados” pelo STF, que só cresce. Sérgio Cabral, Pezão (recém-eleito prefeito de Piraí), Aldemir Bendine, João Vaccari Neto, Renato Duque e, claro, Lula, também estão entre os que tiveram suas condenações revertidas.

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A anulação das condenações de Dirceu é apenas mais um episódio numa série de decisões que desmantelam as conquistas do combate à corrupção da última década.

Como já disse o vice-presidente Geraldo Alckmin, permitimos que criminosos voltassem “à cena do crime”. E, como já alertou o presidente do STF, ministro Barroso, a corrupção não quer apenas impunidade – quer vingança. Pena que hoje, aqueles que um dia se indignaram contra esses escândalos estão agora à frente das instituições e dos grupos políticos que continuamente permitem que a impunidade volte a reinar.

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A Lava Jato e o julgamento do mensalão representaram um sopro de esperança em um país historicamente marcado pela impunidade, mas as conquistas da última década estão sendo desfeitas com rapidez alarmante. A cada nova anulação, a confiança na justiça se enfraquece, e cresce a percepção de que estamos presenciando um retorno calculado à impunidade.

O Brasil não precisa apenas de leis contra a corrupção; precisa, sobretudo, de agentes públicos comprometidos com seu cumprimento. Que um dia possamos voltar a ter a sensação de que são estes que irão prevalecer em nossas instituições.

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