O 'outsider', a quem poucos davam credibilidade, foi capaz de controlar em pouco tempo a hiperinflação, que agora caiu para menos de 3% ao mês
por Tiago Mitraud em 28/11/24 18:39
O presidente da Argentina, Javier Milei, participa da plenária sobre reforma das instituições no G20. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil - 18/11/2024
Esta semana, estive em Buenos Aires, atendendo a convite da Fundação Friedrich Naumann, para participar de um simpósio sobre o primeiro ano do governo de Javier Milei como presidente da Argentina.
Eleito em 19 de novembro do ano passado, Milei tomou posse pouco depois, em 10 de dezembro, em um cenário de terra arrasada. O governo de Alberto Fernández entregava-lhe a inflação mais alta do mundo, que atingiu 211% em 2023, e um país em recessão econômica, com quase metade da população vivendo abaixo da linha da pobreza. Com as contas públicas fora de controle, devido aos inúmeros subsídios e gastos excessivos do governo, a Argentina enfrentava uma crise fiscal, econômica e de confiança, que limitava suas opções de crédito e fazia a moeda se desvalorizar a cada ano.
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A crise era tão grave que o presidente Fernández nem se arriscou a tentar a reeleição, tamanho o grau de impopularidade. Escalou seu então ministro da Economia, Sergio Massa, para sucedê-lo.
A oposição tradicional lançou Patricia Bullrich, mais moderada, e Milei surgiu como o outsider a quem poucos davam credibilidade no início da corrida eleitoral. Apesar das desconfianças, seu estilo excêntrico e retórica agressiva contra o sistema conquistaram um eleitorado frustrado e disposto a apostar em uma mudança mais radical.
A vitória de Milei, entretanto, embora representasse uma saída para os anos de peronismo, trouxe também uma certa desconfiança e aflição a parte dos argentinos. Qual seria sua capacidade de execução? Sua excentricidade prejudicaria o país? Ele realmente implementaria as políticas prometidas, mesmo sendo impopulares e trazendo dificuldades no curto prazo?
Há de se compreender as dúvidas levantadas. Afinal, o discurso e perfil de Milei representavam uma ruptura à política tradicional que a Argentina ainda não havia experimentado. Porém, as fórmulas anteriores — seja as políticas assistenciais e populistas do peronismo, ou o gradualismo de Macri — não haviam funcionado. Então, por que não tentar algo novo?
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Agora, após um ano de governo, os resultados são visíveis. Em pouco tempo, Milei foi capaz de controlar a hiperinflação, que agora caiu para menos de 3% ao mês. Valor ainda elevado, mas consideravelmente menor do que o cenário anterior.
O ajuste fiscal também caminha a todo vapor, com medidas necessárias, porém amargas, como o fim de subsídios para itens como gasolina e energia elétrica, cortes em programas sociais e nos repasses às províncias, redução da máquina pública e ajustes na previdência. No curto prazo, essas medidas encareceram o custo de vida para muitos argentinos, mas foram essenciais para o controle da inflação, algo muito mais benéfico e sustentável a longo prazo para a população.
Ao mesmo tempo, para reaquecer a economia e permitir o florescimento do setor privado, Milei implementou um amplo pacote de desregulamentações e privatizações, que só não foram mais agressivas devido à resistência do Congresso.
Essas medidas renovaram as esperanças dos argentinos. Mesmo os mais céticos agora acreditam que o país está seguindo um caminho próspero, capaz de reverter os anos de atraso e políticas equivocadas.
Contudo, ainda há muito a se fazer. A questão cambial segue como um grande desafio, pois ainda não há câmbio livre no país e o mercado paralelo, embora com valores mais próximos do oficial, persiste. Além disso, Milei segue sem uma base firme no Congresso, o que traz dificuldades à implementação de novas medidas. E sempre paira a dúvida: até quando a população seguirá compreensiva diante das dificuldades de curto prazo causadas pelas reformas?
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Quando perguntei aos argentinos sobre o segredo para o sucesso de Milei, as respostas convergiam. A excentricidade e o radicalismo que eram considerados riscos ao seu governo foram os atributos que, na verdade, lhe deram condições políticas para adotar medidas tão duras, mas necessárias. Muitos o comparam ao governo de Macri, que, embora ciente do que precisava ser feito, foi muito menos ousado e evitou atritos, o que dificultou reformas mais estruturais. Milei foi o oposto: ousou desde o início e preferiu lidar com os atritos do que evitá-los.
E isso foi exatamente o que ele prometeu fazer, sempre alertando para as consequências imediatas. Mesmo que os resultados do ajuste tragam dores à população, todos reconhecem que não foram pegos de surpresa.
Certamente, ainda há muito a ser feito, mas Milei parece firme em seu plano e segue contando com o reconhecimento dos argentinos, mesmo entre os que antes duvidavam do que poderia realizar.
Sem dúvidas, o primeiro ano do novo governo já deixou sua marca, realizando o que há muito não se via na Argentina e se tornando um exemplo para outros países, inclusive o nosso.
Afinal, enquanto nosso vizinho faz o seu ajuste de contas, o Brasil segue no caminho inverso: sem coragem para realizar as reformas estruturais necessárias para corrigir décadas de políticas econômicas e fiscais equivocadas, e ainda insistindo em muitas delas. Sem dúvida nenhuma, o exemplo de Milei precisa ser rapidamente seguido por aqui.
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