Governo jogou o holofote sobre mais uma medida populista: a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$5 mil; as consequências, é claro, foram imediatas
por Tiago Mitraud em 06/12/24 16:02
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), participa de coletiva para explicar o pacote de corte gastos do governo | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil - 27.11.2024
Ajustes fiscais são, por natureza, impopulares. Afinal, costumam gerar resistências tanto da população, que vê a redução das benesses a determinados grupos ou o enxugamento de programas sociais (muitas vezes insustentáveis), quanto da classe política, que não quer arcar com a responsabilidade de conter gastos. Afinal, infelizmente, os eleitores que valorizam a responsabilidade fiscal são poucos, e a maioria dos políticos tradicionais prefere ser porta-voz da gastança.
Por isso, as correções estruturais necessárias em países com problemas fiscais são frequentemente adiadas, e a situação só vai se agravando, até o momento em que a crise se torna tão grave que o ajuste se torna inevitável, ganhando até mesmo certo apoio popular. A Argentina, por exemplo, vive essa realidade. A sucessão de governos peronistas levou o país a tamanho colapso econômico que possibilitou a eleição de Javier Milei, que conquistou a vitória ao apresentar uma agenda de reformas drásticas, e mantém sua popularidade mesmo com as duras medidas que tomou em seu governo.
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No entanto, não é preciso esperar uma crise tão severa como a da Argentina para realizar um ajuste fiscal relevante. Ajustes fiscais também se tornam politicamente viáveis quando há um certo consenso entre a opinião pública e a classe política sobre a necessidade das reformas. Foi o caso da reforma da Previdência no Brasil, aprovada no início do governo passado. Embora tenha ficado aquém do ideal – tanto que novas reformas já são discutidas – representou um avanço e foi aprovada com relativa facilidade. Contou até mesmo com o apoio da população, que, mesmo sendo “prejudicada” por regras mais rígidas de aposentadoria, entendeu a importância da reforma para a saúde financeira do país.
Hoje, o Brasil vive um novo momento de consenso. Economistas, formadores de opinião e lideranças políticas de diferentes espectros reconhecem a necessidade de um ajuste fiscal. Déficits recorrentes, aumento da dívida pública, estrangulamento orçamentário e juros altos são alguns dos fatores que corroboram a urgência de medidas que coloquem as contas do país em ordem.
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Tanto é que, há meses, as medidas de ajuste fiscal do governo são aguardadas com certa ansiedade. Afinal, após os nocivos aumentos de impostos nos primeiros dois anos do novo governo Lula, já não restam alternativas a não ser cortar gastos.
O esperado anúncio do pacote realizado na última semana, porém, foi um fiasco. Em vez de aproveitar o consenso sobre a necessidade de corte de gastos e anunciar as medidas de cabeça erguida, convocando a população e o Congresso a ajustarem o rumo do país, o governo fez o contrário. Tratou as medidas de ajuste com eufemismos e uma abordagem hesitante, deixando o holofote para mais uma medida populista: a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, de alto custo fiscal, em um país que já não consegue pagar suas contas.
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As consequências, é claro, foram imediatas: o dólar subiu para a maior cotação nominal da história, a bolsa caiu e os juros futuros dispararam. Efeitos opostos ao que se espera de um anúncio de pacote de ajustes. Essa abordagem mostrou, mais uma vez, a incapacidade do governo petista de implementar medidas de responsabilidade fiscal. Em vez de gerar confiança, o governo apenas aumentou o descrédito em sua gestão.
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Diante do desastre do anúncio, os “bombeiros” foram chamados: os presidentes do Senado e da Câmara se apressaram em anunciar que não analisariam medidas de aumento de gastos este ano, enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, passou a semana se justificando.
Mesmo que parte das medidas de corte de gastos seja aprovada, já está claro que o governo não irá alterar seu DNA expansionista, que é exatamente o oposto do que o Brasil precisa neste momento. Na melhor das hipóteses, o país passará mais dois anos nesse cabo de guerra, com os lampejos de responsabilidade fiscal sendo constantemente ofuscados pelas trapalhadas do próprio governo.
O que vimos até aqui tem sido, infelizmente, apenas mais uma edição da máxima do saudoso Roberto Campos: O Brasil continua não perdendo a oportunidade de perder uma oportunidade.
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