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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A Reforma do Estado no Brasil e nos EUA

Mudança foi anunciada pelo governo americano após a vitória de Donald Trump; implementação da medida impõe desafios e, por aqui, não seria diferente

por Clara Marinho em 11/12/24 11:34

(Osaka - Japão, 28/06/2019) Donald Trump, então presidente dos Estados Unidos, durante Reunião bilateral com o então presidente Jair Bolsonaro (PL). Foto: Alan Santos / PR

Entre os anos de 1980 e 1990, uma onda de reformas neoliberais varreu o mundo, reduzindo o tamanho do Estado, suas despesas e a forma de entregar bens e serviços aos cidadãos. As mudanças incluíram privatizações, contratualização e descentralização de serviços, flexibilização nas contratações e reformas nos sistemas de previdência e saúde.

No Brasil, a reconfiguração da administração pública incluiu vários destes aspectos. Entre eles: a redução do número de empresas públicas; a gestão de serviços públicos – como postos de saúde e hospitais – por organizações sociais privadas; a concessão de serviços como telefonia, energia elétrica, metrô e manutenção de estradas; a criação de agências reguladoras; e o advento de distintas formas de contratação da força de trabalho no setor público.

Nem tudo foi bem recebido: movimentos sociais e políticos protestaram, denunciando o baixo preço de venda das estatais, a má qualidade dos serviços das concessionárias, as demissões e o aumento da pobreza e da desigualdade. Isso levou ao ajuste das medidas, incorporando transparência,  participação social, equidade e revisão de padrões de atendimento. No Brasil, por exemplo, a transferência condicionada de renda –  Bolsa Família –, só possui tamanha efetividade porque, ao invés da manutenção do seu caráter residual, foi fortalecida e ampliada, associando-o aos sistemas de assistência social, saúde e educação, e à granularidade da rede bancária da Caixa Econômica Federal.

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Corta para 2024. Não sabemos se será onda ou marola, mas após a vitória de Donald Trump, foi anunciada uma reforma do Estado a ser liderada pelo DOGE (Departamento de Eficiência Governamental). Em parceria com a área de planejamento e orçamento, sua missão será diminuir o tamanho do governo federal americano. Os dirigentes serão Elon Musk, o homem mais rico do mundo, e Vivek Ramaswamy, empresário e ex-candidato a presidente pelo Partido Republicano. Eles anunciaram três frentes de reforma: desregulamentações, enxugamento da máquina e redução de custos, em artigo do Wall Street Journal do último dia 21.

Considerando que variadas regras e regulações associadas ao gasto público são feitas por burocratas que se veem como indemissíveis, e que isso é antidemocrático e antiético na medida em que não são feitas pelo presidente ou seus indicados, os dirigentes prometem desfazê-las.

Para tanto, afirmam que o DOGE apresentará uma lista de regulamentos que podem ser revistos e extintos com apenas uma assinatura de Trump. Menos regulação, afirmam, estimulará a economia americana.

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Com isso, Musk e Ramaswamy também esperam reduzir em massa o número de servidores na burocracia federal, restringindo-os ao mínimo necessário por órgão. Ademais disso, sustentam que o presidente poderá implementar regras para conter o crescimento da administração, promovendo demissões em massa – inclusive daqueles que querem permanecer no home-office, considerado um privilégio da era Covid – e realocando agências fora de Washington.

Por fim, os dirigentes querem cortar gastos federais que consideram não autorizados pelo Congresso, avaliados em cerca de US$ 500 bilhões anuais, e enfrentar os contratos e compras públicas ineficientes, por meio de auditorias.

Conforme os dirigentes, o DOGE funcionará por pouco mais de um ano – até o aniversário de 250 anos dos Estados Unidos, amparado pela vitória de Trump e pela maioria na Suprema Corte.

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Há afirmações aqui que parecem como um filme que já assistimos outras vezes. Primeiro, há a desmoralização consciente da burocracia, força de trabalho profissional do Estado democrático de direito. Segundo, há um desconhecimento quanto ao funcionamento do setor público que impressiona.

Os regulamentos infralegais são dispositivos que ajudam a garantir que o Estado funcione de maneira previsível para todos. Isso significa que elas não podem ser desfeitas de repente, sem informar o que acontecerá depois. Caso contrário, além de emergir um ambiente caótico, pipocam processos judiciais.

Apesar da ansiedade para cortar a folha de pagamentos, é essencial contar com a burocracia para que as coisas funcionam, e não o contrário. Evidente que se pode diminuir o número de servidores na gestão pública, mas isso é muito mais um processo do que uma decisão abrupta. Também há certa incompreensão sobre a dinâmica orçamentária: não há gasto do Poder Executivo sem autorização do Poder Legislativo.

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Finalmente, quanto à ineficiência dos contratos e compras, há razoabilidade em enfrentá-la. Mas é sempre bom ter em mente que, além de uma auditoria de custos não ficar pronta de um dia para o outro, existem diferenças nos contratos e compras. Há preços que são tarifas; há mercadorias e serviços intercambiáveis, como alimentação; e há trocas muito mais difíceis em determinados setores, como nas áreas de infraestrutura e defesa. A redução de gastos, portanto, pode não só demorar a aparecer como ser mais modesta.

Dito isso, não há cavalo de pau no setor público e ele não é a mesma coisa que o setor privado. É improvável que o DOGE consiga implementar sua agenda ambiciosa em pouco mais de um ano. Além da temporalidade, é difícil que não haja resistências de cidadãos, empresas, políticos e do Poder Judiciário. Por fim, os ajustes poderão causar fricções no mercado de trabalho e na atividade econômica, criando tensões sociais importantes. Por outro lado, esses aspectos não significam que seus formuladores não os enfrentarão, dado o imenso capital político que possuem.

Mas se tudo isso acontece lá fora, por que não minimizar as propostas do DOGE por aqui? Primeiro, porque no Brasil há quem copie políticas públicas de outros contextos acriticamente, como se a origem garantisse selos de qualidade e economia de recursos. Segundo, porque ainda não existe uma reforma do Estado pactuada pelo campo democrático no país. Embora diagnósticos estejam disponíveis e algumas medidas implementadas – especialmente na área de compras –, é necessário avançar em sua organicidade, especialmente em relação ao serviço público e às regulações. Por último – e complementando o primeiro ponto –, porque as propostas anunciadas compõem a reforma do Estado da extrema direita e já estão disponíveis para implementação e difusão, concorde-se com elas ou não.

Saiba por que a questão do orçamento público precisa cair na boca do povo para ter solução:

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