Anuário do Serviço Público, da República.org, revela que mais de 90% dos magistrados recebem supersalários ao menos uma vez ao ano
por Tiago Mitraud em 13/12/24 08:23
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, durante a posse do novo presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Vital do Rêgo | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil - 11/12/2024
Em um jantar esta semana com jornalistas em Brasília, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal FederalSupremo Tribunal Federal, afirmou categoricamente que “o Judiciário brasileiro não tem participação e nem responsabilidade na crise fiscal brasileira”.
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Será que finalmente encontramos um tema sobre o qual o atual Judiciário, que tanto gosta de opinar e intervir em assuntos alheios, acredita não ter qualquer envolvimento? Ou seria essa apenas mais uma demonstração do velho espírito de corpo que domina a elite do funcionalismo público brasileiro?
A segunda opção parece bem mais provável. Afinal, o contexto da fala de Barroso diz tudo: ela foi feita enquanto o ministro defendia a continuidade dos supersalários dos magistrados. Supersalários que, vale lembrar, os juízes brasileiros nunca hesitaram em defender.
Durante as discussões sobre a Reforma Administrativa na última legislatura, quando o tema do fim dos penduricalhos e privilégios do alto escalão do funcionalismo entrou em pauta, as associações de magistrados se mobilizaram intensamente. Sem nenhum constrangimento, essas entidades apresentavam os mais diversos argumentos para manter seus benefícios intactos. Entre as pérolas, estava a ideia de que cortar os privilégios do judiciário seria uma “perseguição” ao poder que combate a corrupção no Brasil.
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Desta vez, a narrativa de Barroso enfrentou uma resistência curiosa. No Twitter / X, a fala do ministro foi objeto de checagem, onde usuários rapidamente corrigiram sua fala, trazendo dados do Tesouro Nacional que mostram que o Judiciário brasileiro é, disparado, o mais caro do mundo.
Enquanto países emergentes gastam, em média, 0,5% do PIB com seus sistemas judiciários, e países desenvolvidos não chegam a 0,3%, o Brasil desembolsa 1,6% do PIB. Tal custo corresponde a mais de três vezes a média dos países emergentes e mais de cinco vezes a dos desenvolvidos.
Mas será que temos um Judiciário ao menos três vezes mais eficiente? Infelizmente, nem de longe. O que os estudos mostram é o contrário: de acordo com o World Justice Project, o Brasil ocupa a 80ª posição entre 142 países no Índice de Estado de Direito (Rule of Law Index). Quando o recorte é a justiça civil ou a criminal, os números são ainda piores: estamos em 114º no quesito “processos civis não sofrem atrasos excessivos”, 126º em “decisões civis são efetivamente aplicadas” e 135º em “sistema criminal é eficaz e ágil”.
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Nosso Judiciário, portanto, custa muito e entrega pouco. Mas por que é tão caro e ineficiente?
Um estudo publicado pela Universidade Estadual de Maringá aponta três fatores principais: despesas com pessoal, alta quantidade de servidores por magistrado e excesso de possibilidades de recurso às decisões judiciais.
Outros estudos que se aprofundam nas questões de despesa com pessoal mostram verdadeiros absurdos neste quesito. O Anuário do Serviço Público, da República.org, revela que mais de 90% dos magistrados recebem supersalários ao menos uma vez ao ano. Além disso, relatório da Liderança do NOVO na Câmara mostra que servidores do Judiciário trabalham, em média, menos de 1.500 horas anuais — contra mais de 2.000 horas dos trabalhadores CLT. Esse abismo se deve a privilégios como férias de 60 dias, recessos forenses e feriados exclusivos.
Por qualquer ângulo que se observe, os supersalários e penduricalhos do Judiciário brasileiro são indefensáveis. Seja pela busca de maior eficiência, por justiça social ou pela necessidade de ajuste fiscal, é urgente acabar com essas vantagens.
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Tratar o Judiciário como um ente inocente e alheio à crise fiscal, como fez Barroso, é negar a realidade. O Judiciário brasileiro precisa, sim, assumir sua responsabilidade e também contribuir para o reequilíbrio das contas públicas. Afinal, não faz sentido que o poder cuja função é fazer com que a justiça seja feita continue sendo um dos que perpetuam inúmeras das tantas injustiças ainda presentes no país.
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