Consecutivos recordes históricos na cotação do dólar são efeitos de um governo que se recusa a reconhecer e compreender, sua parcela de culpa na situação
por Tiago Mitraud em 19/12/24 10:15
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participa de cerimônia para assinatura de contratos de financiamento do BNDES para infraestrutura e mobilidade urbana de São Paulo | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil - 29.11.2024
Como os políticos petistas bem sabem – afinal, repetiram isso exaustivamente a cada alta do dólar no governo anterior – a valorização da moeda americana afeta diretamente o dia a dia da população brasileira. Como grande parte dos insumos da economia do país é importada, um dólar alto significa custos de produção mais elevados e, consequentemente, preços maiores para o consumidor. Da compra do mês no supermercado ao pãozinho diário na padaria, quanto maior o câmbio, maior a inflação e, com ela, o custo de vida para o brasileiro.
Entender as razões da disparada do dólar e, principalmente, agir sobre elas deveria, portanto, ser a prioridade número um de qualquer governo interessado em não prejudicar o poder de compra e a qualidade de vida da população.
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O governo Lula, porém, insiste em ignorar a realidade. Entretanto, como diz a célebre frase atribuída à filósofa Ayn Rand, você pode até ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade. E o que o Brasil está vivendo neste momento, evidenciado pelos consecutivos recordes históricos na cotação da moeda americana, são exatamente as consequências de um governo que se recusa a reconhecer – e até mesmo compreender – sua parcela de culpa na situação.
Como diversos analistas têm apontado, inclusive esta coluna, o Brasil enfrenta uma crise fiscal evidente. Após transformar a antiga regra do teto de gastos em um campo de batalha, o governo aprovou, no início do mandato, um novo arcabouço fiscal, mais frouxo, e que, em pouco tempo, já perdeu credibilidade.
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Depois de tentar ajustar as contas exclusivamente pelo lado da receita, com aumentos de impostos em um país que já possui uma carga tributária descomunal para seu nível de desenvolvimento, o governo passou a recorrer à chamada contabilidade criativa para permanecer dentro de suas próprias regras fiscais.
Como era de se esperar, nem isso foi suficiente. Nos últimos meses, a pressão por medidas de corte de gastos só aumentou – algo óbvio em um país com um estado mastodôntico como o Brasil. Após adiamentos intermináveis, o governo finalmente anunciou, no fim de novembro, seu pacote fiscal. Porém, o anúncio foi tão desastroso que a principal mensagem transmitida acabou sendo a oposta: o governo seguiria desajustando as contas, abrindo mão de receita do imposto de renda.
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Apesar de tantas evidências contrárias, Lula insiste na narrativa de que não há problemas fiscais a serem enfrentados por seu governo. Em entrevista ao Fantástico no último domingo, ele declarou que seria, entre os mais de 200 milhões de brasileiros, o cidadão com maior responsabilidade fiscal do país. E, como de costume, terceirizou toda a culpa da atual situação econômica àqueles que aumentam a taxa de juros, esquecendo-se de que foi ele mesmo quem indicou metade dos diretores do Banco Central que têm votado continuamente pela manutenção ou elevação das taxas como forma de controle da inflação.
Com o dólar atingindo inéditos R$ 6,26 nesta semana e o presidente dando o exemplo da postura negacionista a ser adotada, sua tropa de choque tratou de encontrar um culpado a qualquer custo.
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As explicações ultrapassaram os limites do ridículo. Segundo ministros do governo, a alta do dólar, vejam só, foi causada por fake news difundidas no Twitter. Houve até deputado petista prometendo abrir inquérito – algo fora das atribuições de um deputado – contra a “Faria Lima”. Imagine só: investigadores interrogando uma avenida. A imprensa amiga do governo também entrou em campo, atribuindo até mesmo memes na internet como responsáveis pela escalada da cotação. E tivemos também ideias impensáveis, como o retorno do controle cambial, cogitadas pela base governista.
Com esse cenário delirante desenhado por agentes do governo, a crise de confiança na capacidade de ajustar as contas só aumenta, alimentando ainda mais a insegurança dos agentes financeiros e mantendo a escalada do dólar, mesmo em uma semana em que, ainda que de forma tímida e aquém do necessário, os primeiros projetos de controle das contas começaram a avançar no Congresso.
Para reverter esse quadro, há apenas uma saída: o governo precisa mudar o discurso e demonstrar, de forma clara, que compreende a gravidade da situação e está verdadeiramente comprometido em colocar as contas públicas no rumo. Caso contrário, mesmo a aprovação das medidas em tramitação no Congresso não será suficiente para estancar a sangria. Em outras palavras, retomando a máxima de Rand, Lula e seu governo terão que escolher entre enfrentar a realidade ou continuar impondo ao país as consequências de insistir em ignorá-la.
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