Em 2025, emendas de execução obrigatória e de comissão identificadas no Orçamento somarão R$ 50,5 bilhões; valores derivam da LC 210
por Daniel Couri em 09/01/25 16:47
Fachada do Palácio do Planalto (à esquerda), torres do Congresso Nacional (ao meio) e estátua da Justiça enfrente ao Supremo Tribunal Federal | Foto: Reprodução/Agência Câmara Notícias
No dia 3 de janeiro, o STF suspendeu o repasse de recursos para 13 ONGs e entidades do terceiro setor que não garantem transparência na aplicação de recursos oriundos de emendas parlamentares.
Em apenas 12 dias, o Ministro Flávio Dino assinou cinco decisões no âmbito da ADPF 854, ação movida pelo PSOL que questiona o regime orçamentário das emendas parlamentares. Quase todas as notícias que você lê sobre o tema têm origem nessa ação.
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De fato, muito já foi discutido no âmbito da ADPF 854, e seu principal fruto talvez tenha sido a publicação da Lei Complementar (LC) 210, em novembro passado, que estabeleceu regras para a proposição e execução das emendas parlamentares.
Atualmente, o cenário parece um imbróglio sem fim. A última trincheira, que com razão segue incomodando o STF, é a transparência. Não apenas sobre a aplicação dos recursos, mas também — e principalmente — sobre a origem deles. Afinal, quem define a distribuição dos recursos provenientes de emendas coletivas de comissão?
Até as pedras portuguesas da Praça dos Três Poderes sabem que essas emendas, infelizmente, se tornaram o refúgio das antigas emendas de relator. E sua destinação, na prática, sofre forte influência das principais lideranças do Congresso. O STF busca uma confissão, e ela não virá.
Mas as recentes decisões são apenas o último capítulo de uma novela que já dura pelo menos 11 anos. Vale lembrar:
O ovo dessa serpente foi posto em 2014, quando, pela primeira vez, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) previu a execução obrigatória de emendas parlamentares. O montante obrigatório foi definido em percentual da receita corrente líquida (uma métrica definida na LRF). Até então, essas emendas eram consideradas despesas discricionárias “puro-sangue” e, como tal, ficavam sujeitas a cortes pelo Executivo durante a execução do Orçamento.
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Em 2014, apenas as emendas individuais se tornaram impositivas, com um montante protegido de R$ 8,6 bilhões (aproximadamente R$ 16 bilhões em valores atuais). Esse valor representava apenas 5% do total das despesas discricionárias da União.
Em 2017, a obrigatoriedade de execução das emendas individuais foi estendida às emendas de bancada estadual, elevando o total de emendas impositivas para R$ 15,2 bilhões (cerca de R$ 22,4 bilhões hoje). Assim, essas emendas passaram a representar 9,6% do gasto discricionário.
Em 2020, as emendas das comissões permanentes das Casas do Congresso e as emendas do relator-geral do Orçamento também começaram a ser identificadas na lei orçamentária. Contudo, sem a garantia de execução obrigatória, como ocorre com as emendas individuais e de bancada. O total das emendas alcançou R$ 46,2 bilhões (R$ 61,3 bilhões hoje), representando 34% do gasto discricionário daquele ano.
A essa altura, a obrigatoriedade de execução das emendas individuais e de bancada já havia passado a residir na Constituição, sem depender do escrutínio anual da LDO.
Com o fim das emendas de relator em 2023, a participação das emendas no orçamento discricionário caiu, chegando a 20,1% em 2024. No ano passado, o orçamento reservou R$ 44,7 bilhões para as emendas parlamentares.
Aqui vale um parêntese: esses valores se referem às autorizações no orçamento, e nem tudo foi efetivamente executado. Ao considerar as despesas pagas de fato a cada ano, a participação das emendas parlamentares no gasto discricionário é menor, mas segue uma trajetória crescente, chegando a cerca de 18,1% em 2024.
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E como ficará em 2025? Neste ano, as emendas identificadas no Orçamento somarão R$ 50,5 bilhões: R$ 39,0 bilhões para as de execução obrigatória (individuais e de bancada estadual) e R$ 11,5 bilhões para as emendas de comissão.
Esses valores derivam da LC 210, que citamos no início do texto. Ela definiu também que, a partir de 2026, o crescimento das emendas de execução obrigatória deverá seguir o limite aplicado às despesas primárias: inflação mais um percentual entre 0,6% e 2,5%, a depender do comportamento da arrecadação. Já as emendas não impositivas, representadas pelas emendas de comissão, só poderão crescer pela inflação.
Nesses últimos 11 anos, o fortalecimento das emendas é simbolizado basicamente por 3 movimentos, cada qual com seus problemas.
O primeiro deles, que já comentamos, é o avanço dessas despesas dentro do orçamento discricionário. Isso elevou a rigidez orçamentária e fragmentou significativamente a decisão sobre a alocação do gasto público. Trabalho recente publicado pelo Insper, de autoria de Marcos Mendes e Hélio Tollini, comparou o modelo brasileiro a 11 países membros da OCDE e em nenhum deles se observou a mesma magnitude do orçamento sendo definida pelo Legislativo.
O pacote fiscal proposto pelo governo no fim do ano passado previa um pequeno avanço ao autorizar o bloqueio de emendas parlamentares caso fosse necessário ajustar os gastos ao limite de despesas primárias.
O Congresso, no entanto, restringiu essa possibilidade apenas às emendas não impositivas, decisão que foi vetada pelo Executivo. Além disso, o Executivo também vetou um dispositivo da LDO que impedia o bloqueio de emendas impositivas, alinhando-se às deliberações já tomadas no âmbito da ADPF 854.
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Resumindo: o ano começa com a possibilidade de bloqueio de emendas, mas isso dependerá da manutenção dos vetos presidenciais.
O segundo movimento é o avanço do Legislativo na fase de execução orçamentária. Além de as despesas com emendas terem se tornado maiores e mais rígidas, os parlamentares agora assumiram prerrogativas anteriormente típicas do Executivo, como a definição dos beneficiários das emendas e da ordem de prioridade dos repasses.
Essa sistemática subverte a lógica do Orçamento: o Executivo propõe, executa e presta contas, enquanto o Legislativo aprova e fiscaliza a aplicação dos recursos. Quando o Congresso assume atribuições próprias dos órgãos responsáveis pela execução das políticas públicas, quais são os incentivos para, depois, exercer de forma isenta o controle sobre o uso desses recursos?
O terceiro movimento é a eliminação de critérios e condições para realização dos repasses. Nesse aspecto, o melhor exemplo são as chamadas emendas pix, que, na prática, se assemelham a doações incondicionais da União a Estados e Municípios.
Não deveria ser assim. A LRF estabelece critérios rígidos para a transferência voluntária de recursos aos entes subnacionias, como a comprovação da correta aplicação de recursos anteriormente recebidos e a regularidade tributária perante a União. Nada disso tem sido aplicado à maior parte das emendas, e a impressão que fica é que o defeito da LRF é ser boa demais.
Daí a importância da atuação do Supremo, que busca ampliar a transparência das despesas oriundas de emendas parlamentares. Mas, ainda que haja avanços nesse sentido, o modelo atual permanecerá disfuncional enquanto persistir a ideia de que as emendas legitimam a participação do Congresso no orçamento.
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Nada mais enganoso. A verdadeira importância do Congresso está na discussão e definição de políticas públicas, que devem ocorrer fora do processo orçamentário — como, por exemplo, na recente aprovação da reforma tributária e nas mudanças na previdência em 2019.
No entanto, quando essa distinção se perde e as emendas parlamentares assumem o protagonismo, o orçamento público se distancia cada vez mais de sua função original: ser um instrumento transparente de planejamento e execução das políticas públicas. Enquanto os papéis de Executivo e Legislativo permanecem embaralhados e os mecanismos de controle seguem fragilizados, o risco é que o orçamento deixe de atender às necessidades reais da população para se tornar apenas uma ferramenta de barganha política.
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