Cada geração presencia momentos de desenvolvimento e de dificuldade. Educar para a paz continua sendo uma obrigação
por Cecília Leme em 17/02/21 11:34
Sou descendente de educadores e considero enriquecedor revisitar a história da educação através da história dos educadores. Minha avó e meu avô foram professores, e eu tenho um enorme orgulho disso. Ainda jovens, eles começaram a dar aulas em uma escola rural de Charqueada, uma pequena cidade no interior de São Paulo. Com o passar do tempo, decidiram mudar-se para a capital, para que os filhos tivessem acesso a outros ambientes educativos. Mas eles continuaram lecionando, dando aulas e exemplos para muitas gerações de crianças.
Sempre me lembro deles com reverência e imagino como terá sido sua prática educativa de muitos anos atrás. Tenho irmãos e primos com uma memória aguçada. Eles se lembram, com precisão, dos nomes de nossos antepassados, sua posição na árvore genealógica, datas e acontecimentos, os mais marcantes e aqueles que poucos sabiam que tinham acontecido.
Minha contribuição para recuperação das histórias familiares é mais modesta. Através de um exercício imaginativo do trabalho de meus avós como professores, tento fazer uma adaptação no tempo, para ver se encontro algumas respostas para os muitos desafios educativos da atualidade. Uma leitura histórica simplista, saudosista e, talvez, um pouco pessimista, levaria à afirmação de que as décadas ou os séculos passados eram mais favoráveis para viver e educar. Será mesmo? Meus avós passaram por períodos históricos muito conturbados, como as duas grandes guerras, nas décadas de 1910 e 1940, com graves consequências para a vida das pessoas e países ao redor do mundo. Eles também foram educadores no período da gripe espanhola, que surgiu em 1918. A estimativa é que essa pandemia matou entre 20 a 50 milhões de pessoas. Outra pandemia que eles assistiram e enfrentaram é a que começou em 1957, ocasionada pelo vírus da gripe A (H2N2), de procedência aviária, com um milhão de mortos em todo o mundo.
Durante o período em que meus avós foram educadores, também houve acontecimentos marcantes no Brasil. De revoltas e golpes de Estado à regulamentação do voto feminino, da consolidação das leis do trabalho ao aparecimento da Bossa Nova, só para citar alguns exemplos. Por outro lado, a educação brasileira, nas primeiras décadas do século XX, esteve preocupada com a especialização da mão-de-obra. Na década de 1930, promoveram-se ações para intensificar a escolarização dos brasileiros, e foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública.
Na América Latina, algumas pedagogias que surgiram no século passado são herdeiras de um pensamento crítico anticolonial e reconhecem a função socialmente crucial da educação para os povos latino-americanos. Tais pedagogias não priorizam a especulação predominantemente teórica, são pedagogias práticas que buscam caminhos educativos facilitadores da relação entre educandos e seus contextos, e entre educandos e o conhecimento.
Cada período histórico registra dificuldades, superação e prosperidade. As principais mudanças durante as primeiras décadas do século XX ocorreram, em parte, como consequência da primeira grande guerra e da pandemia da gripe espanhola. Assim, meus avós, como educadores daquela época, presenciaram acontecimentos históricos que desencadearam um desenvolvimento nacional e mundial importante, mas também vivenciaram períodos de dificuldade. Isso me faz pensar que ensinar a enfrentar os desafios pessoais e históricos continua sendo uma exigência educativa. Por outro lado, sobram modelos políticos violentos, ditatoriais, cruéis e sanguinários ao longo da história.
No século XX, o nazismo, o fascismo, o salazarismo, a invasão de países, os golpes de Estado e a submissão de povos e culturas, por exemplo, nos envergonham como humanidade. Educar para a paz continua sendo uma obrigação. Ainda mais quando alguns governantes atuais, que deveriam dar exemplo de pacificação e unidade, promovem o armamento da população e apoiam a violência e a barbárie. A educação para a paz, nesses contextos, é uma rebeldia necessária, para que nossos meninos e meninas aprendam que existem formas pacíficas para resolver conflitos.
Meus avós também me deixaram o exemplo de que a educação não deve significar sacrifício, dor e sofrimento. Meu avô e minha avó trabalhavam em períodos alternados para dar conta de sua vida profissional e dos compromissos com a casa e os filhos. Eles deixaram um legado educativo importante, traduzido em amor ao ensino, respeito pelos estudantes, compromisso com as instituições educacionais, luta por melhor educação e profissionalismo feminino, já naquele tempo. É mais difícil educar hoje em dia? Será que nossas crianças e nossos jovens são mais rebeldes? Não creio. O que venho constatando é que as crianças e os jovens da atualidade nos estão indicando novas necessidades educativas, para responder aos desafios e exigências de um mundo em constante e rápida transformação.
Um lindo poema de Thomas Eliot diz: Não cessaremos a exploração. O fim de toda nossa busca será chegarmos aonde começamos e ver o lugar pela primeira vez. A exploração e a busca são características inerentes ao maravilhoso trabalho dos educadores. Podemos nos lembrar de uma infinidade deles, não apenas os que têm seu nome registrado na história oficial. É importante recordar, isto é, trazer ao coração a história e o exemplo de educadores e educadoras que nos marcaram e nos ajudaram a ser quem somos.
Em minha história familiar, o exemplo de meus avós me inspira a cada dia e me fortalece sempre. E me faz acreditar que as dificuldades da atualidade, grandes e desafiadoras, não têm o poder de paralisar os sonhos educativos, nem de destruir os caminhos que nos levam a buscar, a explorar e a forjar melhores tempos. Para nossa geração e para aquelas que estão chegando.
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