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“Estamos desgovernados”, avalia Flávio Dino sobre condução de Bolsonaro na pandemia

O governador do Maranhão reconhece base legal para impeachment, mas avalia que foco político deve ser o combate à pandemia.

por Juliana Causin em 04/03/21 11:09

Em uma ação “desgovernada” do presidente Jair Bolsonaro na pandemia, os governadores assumiram papéis que não eram deles para salvarem vidas. Essa é a avaliação do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), que fala em uma “cruzada” do presidente Bolsonaro contra os governadores.

Em entrevista ao Dinheiro na Conta, no MyNews, o governador falou também sobre a ação que ingressou no Supremo Tribunal Federal contra a publicação de Bolsonaro, no último domingo (28). Nas redes, o presidente listou todos os repasses federais feitos aos estados durante a pandemia e acabou por elevar a tensão entre os chefes dos executivos estaduais.

O governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B). Foto: Secom-PI
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B). Foto: Secom-PI

Para o governador, os dados distorcem a realidade e geram “desinformação”. “Não é que nós não queiramos a divulgação, pelo contrário. Nós somos a favor da divulgação certa. O que nós somos contra é a mentira”, avalia.

O governador Flávio Dino comenta ainda sobre perspectivas políticas para 2022 e avalia como “muito difícil” evolução de um processo de impeachment contra Bolsonaro nesse momento.

O Maranhão foi um dos estados que conseguiu no STF a reativação de leitos de UTI para Covid do governo federal, que tinham sido desativados. Hoje o presidente Jair Bolsonaro disse que “recurso não falta” para isso, mas os governadores precisam dar “previsão” ao Ministério da Saúde. Isso tem acontecido?

Nós sempre procuramos o diálogo institucional. Neste caso, antes de buscar o Supremo, nós insistimos durante esses meses iniciais de 2021 em mostrar que não havia qualquer sentido em imaginar que o coronavírus conhecesse o conceito de “ano fiscal” ou “exercício financeiro”. E foi isso o que aconteceu: alguém imaginou que no dia 31 de dezembro o coronavírus ia magicamente sumir da nossa realidade. Há um desacerto fiscal e orçamentário muito grande, ao ponto de não haver sequer o Orçamento de 2021 aprovado pelo Congresso. O caminho foi procurar o judiciário para que um direito da população dos nossos estados fosse cumprido. O SUS é tripartite na gestão e no financiamento, portanto não é um favor [do governo federal], é na verdade uma obrigação legal e que o STF reconheceu. Graças a Deus nesta semana iniciou-se o cumprimento da liminar. Hoje editamos uma portaria reiniciando a reativação dos leitos do SUS. 

Pelo Twitter, o presidente Jair Bolsonaro publicou uma lista de todos os repasses federais feitos aos Estados no último domingo (28), o que acabou escalando a tensão entre governos estaduais e federal. Você deve entrar mesmo no STF contra essa publicação?

Nós já ingressamos com uma ação no Supremo em nome da transparência administrativa. Não é que nós não queiramos a divulgação, pelo contrário. Nós somos a favor da divulgação certa. O que nós somos contra é a mentira. Imagine que o presidente da República diz que mandou R$36 bilhões de recursos federais para o estado do Maranhão. Isso equivale a duas vezes o orçamento anual do Maranhão. É um disparate econômico e contábil [a publicação], fruto ou de má fé ou de profunda ignorância sobre as contas públicas. Nós pleiteamos uma correção mas infelizmente o governo federal insistiu. Por isso nós fomos ao Supremo mais uma vez para que a lei seja cumprida e as informações corretas sejam divulgadas. Para que a gente não tenha  uma deslealdade federativa e uma desinformação. Nessa cruzada que o presidente da República faz contra os governadores, ele tem direito de fazer política, mas sempre usando a verdade e a ética. Essa foi a base constitucional da ação legal que nós já ingressamos. 

Como essa “cruzada” do presidente Jair Bolsonaro contra os governadores atrapalha o trabalho na ponta, nos Estados, de combate a pandemia?

Nós precisamos de união nacional. Desde o início, nós dissemos que só se cuida verdadeiramente da economia, cuidando da pandemia. Ele estabeleceu uma premissa que é falsa, falaciosa, no sentido de que quem cuida da pandemia não está nem aí para a economia. É o contrário. Nós queremos investimento público, investimento privado. Para isso você precisa de previsibilidade do que vai acontecer na semana seguinte. Nós precisávamos ter um planejamento nacional e correto para a vacinação. E não houve. Porque o presidente da República não gosta do governador de São Paulo e por isso atrasou a compra das vacinas do Butantan e não estabeleceu um diálogo para ter uma estratégia de vacinação correta. Eu uso só este exemplo da vacinação para mostrar como essa cruzada, esse belicismo despótico, acabam por atrapalhar o êxito sanitário e a recuperação econômica.

Diante dessa postura do governo federal, uma frente ampla pode vir dos governadores?

Ela já existe. Se hoje há vacina e vacinação isso se deve a essa frente ampla. Porque quando o presidente da República, Jair Bolsonaro,  mandou o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, rasgar o contrato estabelecido com o Instituto Butantan foi o conjunto dos governadores, entre os quais eu me incluo, lutando para que a vacina do Butantan fosse respeitada. E é o que nós temos hoje de vacinação no Brasil. Então há esse espírito de convergência sobre as divergências. Eu sou de um campo político diferente do campo político de João Doria, mas atuamos conjuntamente em defesa da vacina e da vacinação, por exemplo. Essa união tem sido o caminho, ainda mais agora. Nós estamos chegando no limiar de 2 mil mortes diárias. Nós estamos praticamente desgovernados. Os governadores estão assumindo papéis que não são seus diante da omissão federal.

Essa frente dos governadores para vacinação e combate a pandemia pode se estender também para as eleições de 2022?

Eu penso 2022 a partir do que acontecerá em 2021. Nós temos um quadro sanitário e econômico muito grave – queda do PIB, queda do investimento público e privado, ausência do auxílio emergencial. Nós temos uma agenda social e sanitária muito forte para este ano. Acredito que pode haver desdobramentos eleitorais no futuro até pelo fato de se produzirem proximidades. Diálogos vão se produzir para que, quem sabe, não no primeiro turno, acho muito difícil, mas pelo menos nos segundos turnos, se produza uma convergência democrática suficiente para que o Brasil volte a ter um governo que consulte o dicionário e a gramática da democracia. Não precisa ser um governo que pense como eu penso, pelo contrário. O pluralismo político é bonito porque há diferenças de pensamentos. Mas há que se ter diálogo. Nas condições atuais do país é muito difícil que se pense em prosperidade econômica ou justiça social com esse nível de desacerto político. Eu tenho esperança que nós consigamos evoluir nesse rumo do diálogo e produzir alternativas eleitorais vencedoras. Civilizacionais contra a barbárie. 

O senhor apoia o impeachment do presidente Jair Bolsonaro?

A Constituição é a favor do impeachment [contra Bolsonaro]. Eu acho que esse é o parâmetro principal. O Art. 85, que tipifica os crimes de responsabilidade, e a lei 1.079/50 delineiam muito claramente as condutas que ensejam o impeachment. Do ponto de vista estritamente jurídico e constitucional, a Constituição e as leis apontam nessa direção. É claro que há um ambiente institucional mais geral em que devemos reconhecer que é muito difícil que isso evolua neste momento. Eu espero mesmo que esses danos gravíssimos, irreparáveis, que constituem a pior página da História brasileira sejam adequadamente enfrentados no futuro perante o corpo de eleitores, ou seja, a soberania popular e do outro lado quem sabe algum tipo de responsabilização jurídica em nível nacional e até mesmo internacional. 

Há viabilidade política para o impeachment? Como esse assunto tem sido tratado entre os governadores?

Nesse momento é muito difícil dada a proeminência de todas essas questões. No país em que mais de 1900 pessoas perderam a vida num único dia, é claro que não há nada mais emergencial e urgente do que isso. É uma tragédia inaceitável. Nós não podemos naturalizar a barbárie, banalizar o mal, como dizia Hannah Arendt. Então é claro que hoje nossa agenda é presidida por isso: enfrentar a pandemia, vencê-la, garantir leitos hospitalares, garantir e condições sociais mínimas e também um ambiente econômico organizado. Nós queremos colocar isso na frente. Como eu disse, se houvesse apenas uma decisão individual eu seguiria a Constituição e a Lei, mas nós precisamos olhar para o momento atual e colocar na agenda aquilo que de fato é mais urgente, que é a manutenção da vida das pessoas. 

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou nesta quarta-feira (03) que o governo decidiu comprar os imunizantes da Pfizer/BioNTech e da Janssen. Como o senhor vê essa compra?

Nós ficamos muito indignados quando soubemos em agosto do ano passado que a Pfizer ofereceu as vacinas e o governo federal não quis por uma controvérsia jurídica absolutamente viável de ser solucionada. Não houve sequer oferta aos estados. Se o governo federal não queria comprar, que se oferecesse aos estados. Quando soubemos, tomamos ações no sentido do país ter uma pluralidade de vacinas, com o Congresso, com o Judiciário. Parece que esse erro está sendo corrigido. Num país de 210 milhões de pessoas sem soberania vacinal, sem produção própria de vacina, deve-se buscar vários fornecedores de vacinas que sejam atestadas cientificamente com eficácia e segurança. Eu espero que elas sejam adquiridas. Lamentavelmente nós ficaremos no fim da fila, mas pelo menos já é uma correção de rumos que nós governadores vínhamos reivindicando há alguns meses. 

O que ficou definido na reunião que os governadores tiveram com o presidente da Câmara, Arthur Lira, nesta semana? Nesta falta de diálogo com o governo federal, o Congresso pode ser aliado dos governadores?

No ano passado os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, David Alcolumbre (DEM-AP), tiveram um gigantesco papel de proteção da democracia e de encaminhamento da chamada pauta federativa, que é vital para o provimento de serviços públicos à população brasileira. Nós temos a expectativa que isso permaneça com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Fomos muito bem tratados por ambos, pudemos expor nossos pontos de vista e esperamos que Câmara e Senado sejam casas de mediação nacional que com isso nós consigamos avançar. 

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