Sem uma mudança de postura presidencial, pouco mudará e sabemos que Bolsonaro é péssimo em admitir culpas ou corrigir rumos
por Márcio Coimbra em 30/03/21 15:34
A pressão sobre Ernesto Araújo foi intensa. Vinda de todos os lados, acabou abatendo o Ministro de Relações Exteriores. O golpe fatal veio do Senado Federal, mas os ataques foram diversos e a falta de habilidade nos corredores da política de Brasília certamente contribuíram para sua queda. Para além de tudo, o ponto central foi a visão limitada de mundo de seu chefe, Jair Bolsonaro, elemento essencial dos erros cometidos por nossa diplomacia.
A política externa de um país é determinada pelo Presidente da República. No Brasil, cabe ao Chanceler operar esta política, ou seja, colocar em funcionamento estratégico as orientações fornecidas pelo Planalto. Neste governo seguimos o mesmo script e na medida que Bolsonaro se perdia, nossa diplomacia sofria as consequências de seus atos. O enredo final foi dado pelos erros presidenciais diante da pandemia.
Antes disso houve acertos por parte de nosso corpo técnico-diplomático. Ernesto conseguiu a assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, que permitiu o uso comercial do Centro de Lançamentos de Alcântara e o apoio para o ingresso do Brasil na OCDE, além da designação do Brasil como aliado preferencial extra-OTAN, abrindo nossas possibilidades de cooperação, inclusive integração das bases industriais de defesa.
Porém, na mesma medida que nossa diplomacia alcançava resultados positivos, o viés limitado de Bolsonaro fechava portas e oportunidades. Foi um erro assistir o Brasil questionar o resultado das eleições americanas, atacar a Chanceler alemã e o Presidente francês, além da sofrível intervenção presidencial no Fórum de Davos. No front interno, o capitão militarizou (como de costume) nossa agência de promoção de comércio exterior, sob controle, pelo menos formal, do Itamaraty. Engessou um dos pilares mais importantes de nossa política externa entregando o controle da agência para um Almirante sem qualquer experiência com o tema. Foram erros primários injustificáveis até para alguém de quem se espera muito pouco como Bolsonaro.
Fato é de que nada adianta trocar o piloto, se o plano de voo segue na mesma direção. Sem uma mudança de postura presidencial, pouco mudará e sabemos que Bolsonaro é péssimo em admitir culpas ou corrigir rumos, logo os caminhos que temos pela frente são pouco auspiciosos. Nossa política externa seguirá obedecendo suas crenças, implicâncias e teorias bolsonaristas.
Em meio a pandemia, a demora de liberação de insumos da China, as dificuldades com imunizantes da Índia e falta de interlocução com países produtores de vacinas são responsabilidade direta do negacionismo de Bolsonaro. Uma postura que não aceita questionamentos, tampouco racionalidade. Seria ingênuo achar que uma troca de ministro fará com que este quadro se altere.
Bolsonaro opera na lógica da destruição. Jamais soube construir. Precisa de antagonistas e enfrentamentos para sobreviver. A diplomacia, conhecida pela arte do entendimento, é incompatível com esta dinâmica. Ao importar estes vícios para dentro do governo, Bolsonaro feriu pontos nevrálgicos de sua administração como meio ambiente, combate à corrupção e finalmente a política externa. Ao procurar culpados pelos insucessos do governo, é confortável apontar os canhões para os subordinados, uma prática usual do bolsonarismo.
Os delírios de Bolsonaro levaram nosso país a viver o drama ampliado da pandemia. Enxergamos também nosso país ser duramente criticado por uma política ambiental que se distancia da racionalidade e por colocar as instituições e nossa democracia em xeque. Ao demitir Ernesto Araújo, procura terceirizar seus próprios erros. Mas em todos vemos o carimbo e as digitais do Presidente. Ele mesmo é responsável por encarnar a maior e mais efetiva oposição ao seu governo. Os erros da política externa e o enfrentamento com o Senado são produtos de sua lavra. Ao terceirizar os erros, deixa evidente mais um traço de sua Presidência: a covardia.
Márcio Coimbra é professor de Relações Internacionais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Foi diretor da Apex-Brasil.
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