No meio de tantos escândalos investigados no governo anterior, a notícia que mais me chocou esta semana saiu na imprensa sem muito destaque e sumiu nos dias seguintes
Em 26/01/24 14:19
por Balaio do Kotscho
Ricardo Kotscho, 75, paulistano e são-paulino, é jornalista desde 1964, tem duas filhas, 5 netos e 19 livros publicados. Já trabalhou em praticamente todos os principais veículos de mídia impressa e eletrônica. Foi Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (2003-2004). Entre outras premiações, foi um dos cinco jornalistas brasileiros contemplados com o Troféu Especial de Direitos Humanos da ONU, em 2008, ano em que começou a publicar o blog Balaio do Kotscho, onde escreve sobre a cena política, esportes, cultura e histórias do cotidiano
Atendimento emergencial aos Yanomamis | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Donas de um orçamento de R$ 126 bilhões para 2024, as Forças Armadas tiveram a coragem de cobrar do governo federal mais R$ 1 milhão por dia – por dia! – , para socorrer o povo yanomami, que continua morrendo de fome de malária e envenenado por mercúrio dos garimpos clandestinos em hospitais superlotados e desequipados. Para se ter uma ideia do volume do orçamento da Defesa, para Meio Ambiente e Mudança de Clima foram destinados apenas R$ 3,7 bilhões.
O pedido de mais dinheiro foi feito em setembro, apenas um mês após o governo liberar R$ 275 milhões para essa mesma finalidade, informa o repórter João Gabriel na Folha de quinta-feira. “Ainda assim, os militares teriam capacidade de entregar menos do que metade das cestas básicas necessárias”.
Em nota técnica obtida pela “Folha”, o Ministério da Defesa não faz nenhuma referência à catástrofe humanitária vivida outra vez na maior área indígena do país, com o retorno dos garimpos, e se limita a informar que o dinheiro acabou.
Não é a primeira vez. Sempre que são convocados a cumprir sua missão constitucional na Amazônia – proteger as fronteiras, diariamente invadidas pelas quadrilhas do crime organizado, e as áreas indígenas ameaçadas – pedem a liberação de crédito extraordinário, um dinheiro cobrado por fora do seu robusto orçamento.
Funcionam como uma empresa privada que presta serviços ao governo, e não como funcionários do Estado brasileiro muito bem remunerados. No ano passado, as Forças Armadas consumiram 85% do seu orçamento com salários (altos) e benefícios (muitos), a maior parte com inativos e pensionistas, deixando apenas 10% para custeio e 5% para investimentos.
Se for assim, sairia mais barato o governo contratar empresas de segurança privada e supermercados para proteger e abastecer as aldeias indígenas, que, de janeiro a março deste ano, receberão 14 mil cestas básicas, média de pouco mais de 150 por dia. Mais de 30 mil indígenas sobrevivem na terra Yanomami.
“Não obstante, diante da realidade da operação vigente, o esforço empreendido para a distribuição de cestas básicas mostra-se indissociável das demais atividades desempenhadas, como as operações de desintrusão ao garimpo”, diz a nota do Ministério da Defesa. Defesa de quem?
Acontece que os aviões e barcos clandestinos continuam cruzando os céus e rios da Amazônia para abastecer de suprimentos os garimpos, além de servir o narcotráfico e os contrabandistas de ouro. A Defesa informa que as horas de voo da operação seriam “suficientes para dar 40 voltas na terra”.
E daí? Imagens de crianças morrendo famintas, como em Biafra, e terras destruídas pelo garimpo na terra Yanomami, como em Gaza, continuam circulando pelo mundo. O Brasil está perdendo essa guerra.
Se os militares estão preocupadas em recuperar sua imagem, abalada no período bolsonarista, não precisariam gastar tanto dinheiro com pesquisas: bastaria ler os comentários publicados pelos leitores na matéria da Folha, em que perguntam: “Para que servem, afinal, as Forças Armadas?”. Alguns propõem até a sua extinção, tal é a revolta com o que está acontecendo na Amazônia.
“A omissão e até suspeita de boicote das Forças Armadas na atuação no território Yanomami é vista como fator determinante para a explosão do garimpo ilegal na região durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)”, conclui a reportagem de João Gabriel, que deveria ser lida pelo ministro da Defesa, José Múcio, e pelos assessores do presidente Lula.
Depois de uma ação vigorosa da força-tarefa de ministérios formada no início do terceiro governo Lula, a Amazônia voltou a ser uma terra de ninguém que assusta o mundo civilizado. Por isso, ele voltou a reunir ministros no início do ano para declarar guerra ao garimpo ilegal, e anunciou mais R$ 1,2 bilhão para a missão.
Mas já vimos que só dinheiro não resolve, pois se trata de um saco sem fundo se não houver vontade política de todos os envolvidos. As ordens do presidente da República precisam ser cumpridas e cabe ao ministro José Múcio repassá-las aos comandantes militares, para poder cobrar resultados imediatos. Enquanto isso, os indígenas e a floresta continuam morrendo a cada dia, e o crime organizado avança.
Vida que segue.
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