Tivemos o ápice desta violência no dia 8 de Janeiro quando terroristas invadiram Brasília para tomar o poder na marra
Em 06/10/23 13:42
por Balaio do Kotscho
Ricardo Kotscho, 75, paulistano e são-paulino, é jornalista desde 1964, tem duas filhas, 5 netos e 19 livros publicados. Já trabalhou em praticamente todos os principais veículos de mídia impressa e eletrônica. Foi Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (2003-2004). Entre outras premiações, foi um dos cinco jornalistas brasileiros contemplados com o Troféu Especial de Direitos Humanos da ONU, em 2008, ano em que começou a publicar o blog Balaio do Kotscho, onde escreve sobre a cena política, esportes, cultura e histórias do cotidiano
Foto: Reprodução
O bolsonarismo não inventou as milícias, mas permitiu que elas se alastrassem e se ramificassem pelo país como nunca antes, a ponto de formar em algumas regiões um verdadeiro Estado Miliciano, onde o Estado Democrático de Direito não entra. Tivemos o ápice desta violência no dia 8 de Janeiro quando terroristas invadiram Brasília para tomar o poder na marra, uma semana depois da posse do presidente eleito Lula.
O golpe fracassou, mas seus devotos mais fiéis nunca desistiram da violência como forma de luta política, desde o tempo em que Bolsonaro era um tenente do Exército que planejava jogar bombas nos quarteis e na adutora do Guandu para conseguir melhores salários.
No poder, o ex-tenente, promovido a capitão ao passar para a reserva, queria concentrar mais poder em suas mãos e passou quatro anos desafiando as instituições democráticas, a começar pelo Supremo Tribunal Federal, deixando claro que só perderia as eleições se fosse roubado pelas urnas eletrônicas.
Derrotado, passou dois meses em obsequioso silêncio enfurnado no Alvorada, preparando a vingança, antes de fugir para os Estados Unidos dois dias antes do fim do mandato.
Hoje, Bolsonaro está cercado pela Justiça e pela Polícia, que investigam uma penca de crimes do ex-presidente. Enquanto isso, as milícias, os traficantes e o crime organizado em geral tocam o terror na população, seja na Barra da Tijuca, no Rio, ou em Jequié no interior da Bahia, onde ocorreram as chacinas desta semana, atingindo médicos e uma família inteira. Embora até o momento não se possa afirmar nada sobre os possíveis criminosos, a polícia sempre costuma perguntar quando inicia uma investigação: a quem esse crime interessa?
Até o general Braga Netto, ex-interventor militar na segurança do Rio, ex-ministro da Defesa e ex-candidato a vice na chapa de Bolsonaro, saiu do seu conforto com os dois pés sobre o ministro da Justiça, Flávio Dino, responsabilizando-o pela violência fora de controle no país, como se ele e o governo a que serviu não tivessem nada com isso.
A curto prazo, o clima generalizado de violência interessa às oposições na disputa municipal do ano que vem, já que a segurança pública é uma das suas poucas bandeiras, e o calcanhar de Aquiles do governo e das esquerdas. Vamos ouvir muito “bandido bom é bandido morto”, “armai-vos uns aos outros”, “atira primeiro, depois pergunta”, “direitos humanos é coisa de vagabundo”. O discurso está pronto.
Essa eleição de 2024 será o primeiro passo, uma espécie de teste drive para a volta da extrema direita ao poder _ dois anos depois, pelo voto; ou, a qualquer momento, quando tentarem novo golpe. Nunca se sabe. Vai depender do desfecho das centenas de processos contra os golpistas que correm na Justiça.
Empoderada pelo governo anterior, a extrema-direita ocupou as redes com suas milícias digitais para reavivar o anticomunismo e temas da pauta de costumes que lhe são caros como casamento entre pessoas do mesmo sexto, descriminalização das drogas e do aborto, demarcação de terras indígenas, etc. Nada de novo.
Outra aposta é jogar um poder contra o outro, com o Congresso dominado pela direita fisiológica do Centrão armando pautas- bomba contra o Supremo Tribunal Federal. O verdadeiro objetivo é impedir a governabilidade, atravancar as reformas, criar uma crise institucional.
Em último caso, se a violência continuar assombrando o país, não faltará quem peça logo uma GLO, a famigerada sigla da Lei e da Ordem, para botar as tropas na rua, como tentaram fazer no dia 8 de Janeiro, quando o golpe flopou.
A dimensão que ganhou o Estado Miliciano, ou o Estado Paralelo, como escreveu hoje o Otávio Guedes, da Globo News, é uma tragédia humana, social e econômica, que pode desaguar numa tragédia política, se o Estado Democrático de Direito não demonstrar forças para reagir a tempo. Ainda é tempo.
Vida que segue.
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