As cenas de virulência verbal e falta de educação que se multiplicam nas sessões do Congresso Nacional durante os debates entre governo e oposição
Em 06/12/23 16:41
por Balaio do Kotscho
Ricardo Kotscho, 75, paulistano e são-paulino, é jornalista desde 1964, tem duas filhas, 5 netos e 19 livros publicados. Já trabalhou em praticamente todos os principais veículos de mídia impressa e eletrônica. Foi Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (2003-2004). Entre outras premiações, foi um dos cinco jornalistas brasileiros contemplados com o Troféu Especial de Direitos Humanos da ONU, em 2008, ano em que começou a publicar o blog Balaio do Kotscho, onde escreve sobre a cena política, esportes, cultura e histórias do cotidiano
As cenas de virulência verbal e falta de educação que se multiplicam nas sessões do Congresso Nacional durante os debates entre governo e oposição, como vimos ainda na segunda feira, no embate do ministro Silvio Almeida com a deputada Bia Kicis, são apenas sintomas de ume doença que grassa na sociedade.
Parlamentares costumam ser um espelho dos eleitores que representam. O ministro estava apenas se defendendo e dando explicações sobre os ataques que vem recebendo de grupos da extrema direita por sua atuação em defesa dos Direitos Humanos. De repente, a deputada interrompeu sua fala e passou a gritar com ele, em nome do regimento interno, seja lá o que isso significa.
A extrema radicalização não atinge apenas parlamentares da oposição em seus ataques a ministros do governo, mas perpassa toda a sociedade, impedindo um debate público civilizado, hoje baseado mais em memes, vídeos editados, hashtags e lacrações.
Nas mídias, em todas as plataformas, milicianos digitais e até experientes jornalistas, digladiam-se no vale tudo da caça aos cliques e audiência. Já não basta criticar, é preciso desqualificar liminarmente tudo que é feito ou falado pelo “outro lado”, para garantir o emprego ou aumentar o faturamento. Pouco importa o conteúdo, o importante agora é lacrar, caçar manchetes ou seguidores para suas opiniões.
Refleti sobre isso ao ler a excelente coluna de Wilson Gomes, hoje na Folha, sob o título “Extremos, estranhos e na moda – Os últimos sete anos têm deixado os democratas com o coração na mão”. Professor da Universidade Federal da Bahia e autor de “Crônica de uma Tragédia Anunciada”, Gomes é hoje um dos melhores analistas da nossa cena política.
“A este ponto nem sei se a questão é simplesmente o avanço da extrema direita, como parecia tão nítido com as vitórias de Trump e de Bolsonaro. Há outros extremos prosperando, social ou eleitoralmente (..) Do outro lado, os identitários latino-americanos, do Brasil ou do Chile, por exemplo, não têm tirado o pé do acelerador, atropelando o que quer que atravesse o caminho, acumulando radicalização e antipatia social e, assim, alimentando o refluxo que trará de volta o outro extremo”, escreve Wilson Gomes.
Ganha quem grita mais alto, quem ofende mais o adversário, quem usa as palavras certas para caçar cliques. Já não se buscam apenas seguidores, mas devotos que aceitem bovinamente as opiniões e ações de quem está do “seu lado” no combate ao “inimigo comum”. Neste ponto, a extrema direita acaba impondo seus métodos. O fato é que, antes da chegada ao poder de tipos como Trump e Bolsonaro, a guerra verbal nas redes não ameaçavam as democracias.
“Por que o modelo tem funcionando tão bem ultimamente”, pergunta-se o professor. “Isso tem a ver, creio, com um aumento da hostilidade e do antagonismo na vida pública em níveis assustadores”. E eu acrescento: onde faltam argumentos, restam as lacrações neste vale tudo em que se transformou a arena pública virtual e real.
Vida que segue.
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