Tese estabelece que os povos indígenas só podem se apropriar das terras que eles ocupavam em outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal
por Sofia Pilagallo em 08/08/24 13:05
Antropóloga Manuela Carneiro da Cunha concede entrevista ao MyNews | Foto: Reprodução/MyNews
Um escândalo. É assim que se refere a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, que conversou com o MyNews, sobre as novas audiências do marco temporal, que tiveram início na segunda-feira (5) no Supremo Tribunal Federal (STF), sob a condução do ministro Gilmar Mendes. Em janeiro deste ano, o Congresso Nacional promulgou o complemento da lei do marco temporal para demarcação das terras indígenas (Lei 14.701/23) e, agora, o Senado ameaça fazer do marco temporal uma emenda à Constituição.
A tese do marco temporal estabelece que os povos indígenas só podem se apropriar das terras que eles ocupavam em outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal. A pauta havia sido declarada inconstitucional pelo próprio STF há menos de um ano, em setembro de 2023, e voltou à mesa de negociação após pedidos do PP, Republicanos e PL. Para Manuela, as primeiras audiências evidenciaram injustiças.
“Há quatro parlamentares na composição da audiência, dos quais são dois são efetivos e dois são suplentes. A única deputada indígena ficou como suplente do segundo parlamentar. Os outros são todos conhecidamente anti-indigenas”, afirma Manuela, acrescentando que um dos juízes presentes na audiência chegou a dizer, em tom de chantagem, que “era ou isso [uma negociação] ou a PEC do Senado” (proposta que altera o §1º do artigo 231 da Constituição Federal para definir o marco temporal). Ela ressalta ainda que a Procuradoria Geral da República (PGR), cujo dever é defender os indígenas, cumpre um papel meramente observador nas audiências. “Não vota, não faz nada além de observar. É um escândalo.”
A consequência das novas audiências do marco temporal no STF foi uma escalada da violência contra os povos indígenas. No último final de semana, dois ataques de fazendeiros em um intervalo de pouco mais de 24 horas deixaram 11 indígenas Guarani Kaiowá feridos em Douradina (MS). Dois deles gravemente, com tiros na cabeça e no pescoço.
Segundo Manuela, que cita dados do último relatório “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil”, juntos, os estados de Roraima, Mato Grosso do Sul e Amazonas, foram responsáveis pelo assassinato de 759 indígenas entre 2019 e 2022, durante o governo Bolsonaro. Para ela, há negligência do Estado, que falha em protegê-los. O povo Guarani Kaiowá, por exemplo, tem suas terras reconhecidas há décadas pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), mas ainda aguarda a demarcação dos territórios.
Assista à entrevista completa com a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha:
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