Delegado que coordena os trabalhos da Polícia Federal diz que “trabalha com hipótese” de mandante, mas que hoje não tem elementos para indiciar ou fazer buscas contra alguém.
por José Medeiros da Agência Pública, Rubens Valente em 05/07/22 13:35
Mais cinco pessoas – além dos três pescadores e caçadores atualmente presos – já admitiram algum papel no processo de destruição de pertences ou na ocultação dos corpos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips. Os investigados, dos quais três são irmãos e um é filho do principal implicado no crime, Amarildo da Costa de Oliveira, o “Pelado”, se apresentaram à delegacia de Atalaia do Norte (AM) nos últimos dias acompanhados de um mesmo advogado.
O delegado da PF (Polícia Federal) Domingos Sávio Pinzon Rodrigues, 44, que atua como coordenador dos trabalhos da PF na investigação que corre paralela ao inquérito instaurado pela Polícia Civil, disse que os cinco investigados eram da mesma pequena comunidade à beira do rio Itaquaí na qual viviam “Pelado” e vários de seus familiares. A localidade de São Gabriel, com cerca de 15 casas, fica a aproximadamente 15 minutos de barco pequeno do local dos assassinatos, ocorridos na manhã do dia 5 de junho. A polícia agora avalia a necessidade ou conveniência de solicitar algum tipo de prisão provisória dos novos investigados.
O papel exato de cada um dos cinco investigados ainda está sendo apurado pela polícia, inclusive a partir da reconstituição do crime, que na semana passada reuniu peritos, testemunhas e investigados no rio Itaquaí.
As versões apresentadas pelos investigados estão sendo recebidas com precaução pela PF, que teme ter ocorrido uma combinação de narrativas.
“Por exemplo, todos os que participaram da ocultação dos cadáveres dizem que não queimaram os cadáveres, que queimaram só os pertences pessoais. Ou seja, querem, na minha visão, diminuir sua participação, não querem confessar que participaram de um ato horrendo de queimar uma pessoa. Entretanto, há indícios de que os cadáveres foram efetivamente… Tentaram, pelo menos, carbonizá-los.”
O delegado ressalta que ainda aguarda o relatório pericial, mas “pelos testemunhos e pela análise do local, o que leva a crer é que tentaram queimar, mas não deu certo, é muito úmido ali, a queima de dois corpos não é simples, e no outro dia, quando foram conferir, viram que tinham que enterrar mesmo” para supostamente não deixar mais pistas.
Os corpos foram enterrados na mata perto da Lagoa da Preguiça, que fica em frente à casa de um dos três presos, que é outro irmão de “Pelado”, Oseney Oliveira, conhecido como “Dos Santos”. O terceiro preso até o momento é Jeferson Lima, o “Pelado da Dinha”, que também admitiu ter atirado para matar Bruno e Dom.
Outro ponto que merecerá atenção da polícia nos depoimentos dos cinco investigados é quando e por quem eles foram acionados para dar cabo dos pertences e dos corpos.
“É meio contraditório, não faz muito sentido. Eles falam assim que [‘Pelado’ e Lima] saíram de manhã — eles querem dar a entender que foi uma coisa de momento – e que depois de um tempo voltaram e falaram ‘pô, a gente fez a merda’, ou seja, ‘mataram os caras’. Segundo eles, ambos ficaram lá [na comunidade] durante o dia e, quando foi à noite, o ‘Pelado’ saiu mais o Jeferson. Segundo a maioria dos depoimentos, eles saíram sem dizer para onde. E que, quando eles saíram, em seguida os irmãos lá se reuniram para ir [espontaneamente] até o local onde estavam os corpos, que é o local da mochila.”
Segundo o delegado, os investigados “querem dizer que não houve um acerto, que não houve um acordo entre eles para divisão de tarefas”. Eles falam “que a comunidade ficou preocupada e que, em razão disso, por vontade própria, eles, sem estarem organizados ou combinados com ‘Pelado’, foram lá para ajudar porque isso seria uma repercussão muito ruim para a comunidade”.
“Eles dizem que saem todos em canoas de remo, de madeira, não motorizadas, saem todos para um local para colocar os corpos nas canoinhas, as mochilas e pertences em outras. […] Na minha interpretação disso, houve uma orientação da defesa para falarem dessa forma, que não tocaram fogo nos corpos, que não houve uma coordenação ou divisão de tarefas, para que a investigação ou futuramente o Ministério Público não os inclua como partícipes no crime de homicídio.”
Sávio, que está na PF desde 2003, concedeu entrevista exclusiva à Agência Pública na quinta-feira (29) em Atalaia do Norte. Nascido em Manaus (AM), Sávio estudou Direito em Brasília e entrou na PF por concurso público em 2003, primeiramente ocupando o cargo de escrivão. Três anos depois, tornou-se delegado e está lotado desde então na cidade de Manaus.
O delegado é atualmente o “número três” da Superintendência da PF em Manaus, no cargo de coordenador regional de combate ao crime organizado. Nessa função, ele foi acionado pela direção da PF em Brasília na noite do mesmo dia dos desaparecimentos de Bruno e Dom, no domingo, dia 5. Na manhã seguinte, ele, o superintendente da PF em Manaus, Eduardo Alexandre Fontes, e outros policiais criaram um plano de ação. Inicialmente a coordenação dos trabalhos de investigação ficou baseada em Manaus.
Na quarta-feira (8), porém, o superintendente decidiu deslocar Sávio para Atalaia a fim de coordenar no local, a princípio, os trabalhos das buscas. Depois que a investigação avançou com a confissão de dois presos, o grupo se converteu numa equipe de investigação paralela à Polícia Civil, na qual tramita o inquérito sobre os homicídios. A PF passou a ajudar na tomada dos depoimentos, prisões e buscas, a realizar perícias e a trabalhar na recuperação dos pertences e corpos.
O delegado enalteceu os indígenas e a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) na busca dos corpos e pertences. “A Univaja nos apoiou logisticamente e com a expertise deles em mato. Tanto é que foram eles que acharam a primeira mochila. A gente estava fechado com eles, ‘bom, encontrou vestígio, para tudo e marca o lugar e nos telefona’, eles têm telefone satelital, ‘ou a gente vem imediatamente ou, se for de noite, na manhã seguinte nós vamos’. E foi feito. Eles encontraram uma lona, pararam tudo e nos chamaram”, disse o delegado.
Peritos e policiais isolaram o local no dia seguinte. As buscas continuaram e, no final da tarde, foi recuperada também a mochila de Dom Phillips. Foi um “ponto-chave”, segundo o delegado, que “começou a abrir mais as coisas”.
“A partir daquele momento, o Amarildo, que já estava preso, começou a perceber que nós estávamos chegando perto. Ele não sabia exatamente onde a mochila estava. Eles tinham dividido as tarefas. O ‘Pelado’ foi com o Jeferson para afundar a canoa, e os parentes dele foram à noite para pegar os corpos e os pertences pessoais para levar próximo da cova, onde foram queimados os pertences pessoais.”
Logo depois “Pelado” iria confessar o crime e apontar o local exato onde os corpos estavam. “Ele me disse, ‘porra doutor, quando vocês acharam a mochila, aí me deu vontade de confessar porque eu não queria envolver minha família. Eu vi que vocês já sabiam de tudo, já tinham chegado’. Então quando ele falou isso, eu falei, bom, ele achava que já tínhamos chegado aos corpos, e chegando aos corpos, que estavam num lago que fica atrás da comunidade, a gente ia começar a prender outros familiares.”
Um dos irmãos, “Dos Santos”, foi preso. “Como ele [‘Pelado’] sabia que a família teve uma participação, que ainda vai ser elucidada a que ponto foi efetivamente essa participação, ao menos já tínhamos a certeza de que os familiares ajudaram a ocultar os corpos. Eles já são réus confessos no crime de ocultação de cadáver. Então, temeroso pelo envolvimento maior de sua família, ele, pelo que ele me falou informalmente, pelo que se depreende realmente da dinâmica, parece que foi a mochila o ponto que desencadeou a vontade dele de confessar o crime.”
De acordo com o delegado, também já ficou claro que “Pelado” e seus parceiros no crime na ocultação fizeram manobras para “confundir a investigação”. Uma das artimanhas foi não afundar o barco de Bruno imediatamente após os assassinatos. “Pelado” ficou com o barco e continuou subindo o rio, como se nada tivesse acontecido, para um ponto mais distante da comunidade de São Gabriel. Ele queria que alguma testemunha dissesse depois à polícia que o barco fora visto passando pela comunidade de Cachoeira, e foi exatamente isso o que aconteceu. De longe, a testemunha viu apenas o barco branco de Bruno e daí deduziu que ele havia passado por lá na manhã do domingo e relatou isso à polícia. O barco de Bruno, porém, só foi afundado de noite por “Pelado” e Lima.
“No começo da investigação a Polícia Civil chegou a ir à Cachoeira e colheu um relato de uma pessoa dizendo que viu ‘Bruno’ passando com o barco. [O truque de ‘Pelado’] era para confundir a investigação”, disse o delegado. “Eles pensaram, tinha uma estratégia.”
Sávio – na mesma linha do que já disse à Agência Pública o delegado da Polícia Civil que preside o inquérito, Alex Perez, da delegacia de Atalaia do Norte – disse que a hipótese de um mandante continua não sendo descartada pela polícia, mas que não há indícios suficientes para iniciar uma investigação contra qualquer pessoa.
“É uma possibilidade, é uma linha de investigação que está sendo levada em consideração. Hoje não tenho elementos para pedir uma busca na casa de alguém, para indiciar alguém. Não temos elementos nos autos que identifiquem um mandante, mas a gente trabalha com essa hipótese. Vamos tentar esgotar essa possibilidade. Isso será estudado em conjunto com a Polícia Civil, com o delegado Alex, e no âmbito da PF, para ver qual a melhor estratégia. Nada impede que futuramente, surgindo provas… Por exemplo, se chegarmos a um suspeito que esteja envolvido em outros crimes.”
O especial Vale do Javari — terra de conflitos e crime organizado é uma série de reportagens da Agência Pública com apoio do Amazon Rainforest Journalism Fund (Amazon RJF) em parceria com o Pulitzer Center
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