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Bruno Cavalcanti

CRÍTICA

Sweeney Todd brasileiro: proposta excessivamente imersiva prejudica narrativa

Grande espetáculo da obra de Sondheim é valorizado por direção musical e ótimo trabalho de seu ensemble.

por bruno cavalcanti em 11/04/22 16:43

Sweeney Todd em montagem brasileira. Foto: Ale Catan e Stephan Solon

Alguma coisa está fora da ordem em Sweeney Todd – O Cruel Barbeiro da Rua Fleet, musical de Stephen Sondheim (1930-2021) e Hugh Wheeler (1912-1987), que ganha sua primeira montagem brasileira em cartaz no espaço cênico do 033 Rooftop do Teatro Santander, em São Paulo. E, em se tratando de um dos musicais mais perturbadores da (magistral) obra de Sondheim, esse é um elogio.

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O espetáculo é uma das produções mais densas e menos palatáveis da trajetória deste autor que, até sua saída de cena, em 2021 aos 91 anos, seguiu criando obras que desafiavam o teor popular do teatro musical norte americano que se acostumou à opulência das grandes montagens do final do século XX e do intimismo da linguagem do pop rock do início deste século.

Portanto, a falta de ordem é o principal atrativo na narrativa de vingança e falta de redenção de Benjamin Barker, um barbeiro mandado ao exílio pelas mãos de um juiz corrupto que, ao voltar à sua terra natal, descobre a destruição de sua família e encontra um cenário de miséria e pobreza moral.

Algo, entretanto, se perdeu na transposição da obra original para a versão brasileira dirigida por Zé Henrique de Paula, em cartaz desde 18 de março. A encenação propõe uma imersão no cenário e na ação direta do espetáculo, fazendo com que Sweeney Todd encha os olhos pelo apuro estético dividindo seu desenvolvimento em diferentes espaços cênicos, distribuídos entre a plateia. 

A ideia remete a obras anteriores em cartaz no mesmo espaço, entre elas Natasha, Pierre e o Grande Cometa de 1812, incensada montagem do mesmo Zé Henrique de Paula para a obra indicada a 12 prêmios Tony.

Entretanto, o que compunha a sedução de O Grande Cometa é o ponto destoante de Sweeney Todd. A proposta imersiva na encenação interfere na obra original, a ponto de esmaecer a força narrativa do material base, fazendo com que a obra de Wheeler e Sondheim chegue ao Brasil sem a densidade original, o que se reflete nos cortes da direção. A busca por um ritmo dinâmico compromete as pontes de conexão entre as cenas.

Sweeney Todd em montagem brasileira. Foto: Luiz Leão

É verdade que boa parte da força dramática é preservada pela direção musical de Fernanda Maia, responsável ainda por assinar as (fluentes) versões em português de uma das obras mais desafiadoras de Sondheim, letrista de caneta complexa. O trabalho de Maia, contudo, resulta prejudicado pelo som precário do espaço cênico do 033 Rooftop, que, mesmo depois de tanto tempo, não se adaptou às necessidades de grandes musicais.

O problema sonoro de fato afeta o resultado da montagem. Nem mesmo o trabalho hercúleo dos designers de som João Baracho, Fernando Akio Wada e Guilherme Ramos consegue amenizar as perdas de nuances causadas pela acústica precária, afetando o dinâmico jogo da encenação e comprometendo o trabalho do elenco.

É hercúleo também o trabalho do grupo de atores que, no todo, consegue contar a história com fluência, ainda que não tenha desempenho homogêneo. São destaques os trabalhos de Dennis Pinheiro, na pele do herói Anthony, numa construção que dá mergulho rasante no estereótipo do clássico mocinho. Valorizado pela fina estampa, o ator convence bem, ainda que a química com sua companheira de cena, Caru Truzzi, nem sempre renda o que promete. A atriz rende pouco na pele de Johanna, a jovem indefesa mantida em cativeiro.

Destaque também para o desempenho de Amanda Vicente na pele da mendiga Lucy Baker. Atriz de voz tamanha e bons dotes cênicos, Vicente encontra em Sweeney Todd a chance de se comprovar um grande nome do teatro musical moderno. Parecido acontece com Elton Towersey, artista versátil que já se demonstrou um dos principais criadores do mercado contemporâneo, e surge à vontade na pele do canastrão Adolfo Pirelli (personagem que divide com Pedro Navarro em sessões alternadas).

Sweeney Todd tem o trunfo de angariar grandes atores dentro de seu ensemble, fazendo com que o coro seja valorizado não apenas por grandes vozes, mas também por grandes interpretações que engrandecem as intenções de cada nota da composição de Sondheim. E é este um dos grandes pontos altos da direção de Zé Henrique de Paula.

Um dos principais diretores de sua geração, o profissional disseca com esmero e cuidado as intenções de cada fraseado das montagens que assina. Zé Henrique de Paula é também grande encenador e excelente cenógrafo, que entrega uma proposta rica que, neste caso específico, não valoriza a obra original, mas enche os olhos.

Por outro lado, salvo os destaques, o elenco nem sempre se mostra confortável ou à altura de suas personagens. É o caso de Guilherme Sant’anna, um dos principais nomes do teatro paulistano e profissional de peso dentro dos musicais, o ator não parece ainda ter encontrado o tom de seu juiz Turpin. 

Andrezza Massei e Rodrigo Lombardi. Foto: Stephan Solon

Mesmo sua voz tamanha – que já ressoou versátil ao compor o elenco de O Homem de La Mancha e ao percorrer as suntuosas trilhas da obra do compositor carioca Cartola (1908-1980) em recital online – parece pouco à vontade frente a canções como Pretty Woman, e é de se lamentar o corte do principal solo da personagem, Johanna (Mea Culpa).

Mais à vontade na pele do Bedel, Gui Leal, por sua vez, constrói personagem excessivamente histriônico, que destoa não apenas do trabalho de seus colegas, mas também da própria proposta de encenação. O ator, que brilhara na irregular montagem de Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolates, parece ter optado por caminhos mais fáceis em Sweeney Todd, o que prejudica o resultado final não apenas de sua personagem, mas do arco ao qual ele está inserido.

Parecido acontece com Mateus Ribeiro. O ator, que levou para casa um Prêmio Bibi Ferreira em 2021 por seu desempenho como protagonista em “Chaves – Um Tributo Musical” (dirigido também por Zé Henrique de Paula) dá vida ao órfão Tobias Ragg, numa construção que reedita trejeitos e nuances de seu Chaves. 

O ator enfoca um tempo de comédia corporal que enfraquece sua personagem e não estabelece seus conflitos, ou mesmo a relação afetuosa que deveria construir com a Dona Lovett de Andrezza Massei. Ainda falta encontrar o tom da delicadeza que pauta Not While I’m Around, um dos temas mais icônicos da obra.

E, por falar em Andrezza Massei, a atriz, que construiu carreira luminosa dentro do teatro musical paulistano, é o principal destaque de Sweeney Todd. Sua trajetória, baseada em personagens estritamente cômicos em produções como A Bela e a Fera, Mamma Mia! e A Pequena Sereia, vem ganhando outras nuances desde que compôs o elenco Les Miserables e dividiu o protagonismo com Marisa Orth na esmaecida montagem brasileira de Sunset Boulevard.

É verdade que, por problemas de direção, o desempenho da atriz sempre ficou, em papéis dramáticos, aquém do que poderia render. Em Sweeney Todd, Mazzei é finalmente alçada ao posto de grande protagonista graças a sua interpretação luminosa na pele de Dona Lovett, papel desempenhado por nomes como Angela Lansbury (na produção original da obra, em 1979), e Patti LuPone (no último revival do musical na Broadway, em 2006).

Desde sua entrada em cena, dominando uma das canções mais difíceis da obra, The Worst Pies in London, até o desfecho trágico de sua personagem, Mazzei jamais titubeia, resultando em seu melhor momento em cena. 

Seu timing cômico surge mais apurado, e a atriz demonstra uma percepção dramática rica o bastante para não transformar sua Lovett numa alegoria – ainda que um dos momentos mais icônicos da obra original, o fim do primeiro ato ao som de A Little Priest, perca totalmente sua força cômica e sardônica. É, contudo, o trabalho da carreira da atriz.

O mesmo, infelizmente, não se pode dizer de Rodrigo Lombardi. Ator que já se comprovou um dos melhores de sua geração ao brilhar na remontagem brasileira de Um Panorama Visto da Ponte, de Arthur Miller (1915-2005), e conseguir destaque na participação especial que fez em Urinal – o Musical, ambos sob a direção do mesmo Zé Henrique de Paula, Lombardi não reedita em Sweeney Todd o brilhantismo de suas últimas passagens em cena.

Desconfortável em cena, Lombardi não dá conta da extenuante partitura de Sondheim que, verdade seja dita, exige um ator com maior preparo e experiência dentro do teatro musical. Embora seja uma personagem com um arco dramático rico – o que exige também um grande ator -, Sweeney Todd é um dos papéis mais difíceis compostos por Sondheim, que, vocalmente, exige um trabalho exímio de seu intérprete. Não à toa, nomes consagrados do teatro musical norte americano e inglês costumam interpretar a personagem – vivida, inclusive, por grandes nomes da ópera.

Johnny Deep e Helena Boham Carter. Foto: Universal Pictures

O desastroso filme dirigido por Tim Burton em 2007 e estrelado por Johnny Depp e Helena Bonham Carter foi a prova de que um ator com dotes vocais limitados não consegue dar a dimensão necessária para a personagem. 

Embora Lombardi seja ator mais bem preparado e com melhor desempenho que Depp, seu Sweeney Todd ainda carece de melhor domínio musical e dramático para dar conta de todas as nuances que necessita para se mostrar a grande personagem da obra de Sondheim – atrás apenas da shakespeariana Mamma Rose, de Gypsy.

No todo, são muitos os pontos positivos de Sweeney Todd – O Cruel Barbeiro da Rua Fleet, passando por sua cenografia, o desenho de luz (Fran Barros), o visagismo (Dhiego Durso e Feliciano San Roman), o figurinos (João Pimenta) e, claro, o ensemble formado por Diego Luri, Renato Caetano, Sofie Orleans, Pedro Silveira, Edmundo Vitor, Bel Barros, Pamela Machado e Davi Novaes. É um espetáculo que triunfa por uma proposta arrojada e de grande senso estético.

Entretanto, é esse senso estético de uma proposta excessivamente imersiva, que atenua as tensões dramáticas pensadas pela obra original, fazendo com que a montagem tropece em irregularidades que se refletem em seu elenco e na adaptação, resultando numa obra bem menos impactante do que de fato é o trabalho de Stephen Sondheim e Hugh Wheeler, que necessita de uma imersão mais intensa em sua dramaturgia do que a proposta pela encenação.

SERVIÇO:

Data: 18 de março a 05 de junho

Local: 033 Rooftop do Teatro Santander – São Paulo (SP)

Endereço: Complexo do Shopping JK Iguatemi – Av. Juscelino Kubitschek, 2041 – Itaim Bibi

Horário: 21h30 (sexta); 16h e 20h30 (sábados); 18h (domingos)

Preço do ingresso: R$ 90,00 (meia) a R$ 220,00 (inteira)

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