Quão perto estamos de um cenário em que a análise do genoma fará parte da consulta de rotina?
por Tatiana Almeida e Edson Amaro em 25/01/22 15:41
Nos últimos 20 anos, após o sequenciamento do primeiro genoma humano completo, a genética ganhou um protagonismo no cuidado à saúde, seja nas ações diretas de diagnóstico e mudança de conduta ou nas promessas para um cuidado futuro personalizado. Mas, afinal, quão perto estamos de um cenário em que a análise do genoma fará parte da consulta de rotina?
Existem muitas nuances para a resposta a essa pergunta e alguns conceitos precisam ser compreendidos, como: temos tecnologia para isso? Todas as doenças podem se beneficiar dessa abordagem? O resultado é o mesmo em qualquer abordagem? Há mudança de conduta com essa informação? Vamos às respostas.
Temos tecnologia?
Sim. O primeiro rascunho de genoma humano gastou quase 3 bilhões de dólares, por mais de 10 anos. Hoje, em menos de 48 horas, é possível sequenciar um genoma humano inteiro a um custo de aproximadamente mil dólares. Essa tecnologia — chamada de sequenciamento de nova geração — possibilitou o sequenciamento na escala de milhões de pessoas, revelando a diversidade genética humana. Cada indivíduo tem cerca de 6 bilhões de pares de bases, dos quais aproximadamente 2 milhões, apenas, variam de uma pessoa para outra.
Após o sequenciamento, os dados brutos passam por um processamento que requer um enorme poder computacional. Para o uso preventivo, existe mais uma camada de processamento e criação de modelos analíticos, que depende diretamente de um grande número de voluntários e da disponibilidade de dados clínicos e genéticos. Portanto, temos a tecnologia, mas existem desafios para aplicá-la em escala.
Todas as doenças podem se beneficiar dessa abordagem?
Em teoria, sim. Mesmo aquelas doenças que não têm um componente genético claro podem ter respostas fisiológicas que dependem de vias metabólicas determinadas geneticamente.
Pensando nas doenças raras (ou monogênicas) — em que a genética é altamente determinante para o quadro clínico — como um extremo, as outras doenças formam um contínuo em que o papel da genética e do ambiente contribuem de maneira maior ou menor, a depender das características da própria doença (multifatorial), e uma mesma doença pode se apresentar das duas formas. A suscetibilidade ao câncer de mama, por exemplo, pode ter uma causa genética direta, com as mutações em BRCA1/2, mas também pode ser determinada pela soma de variações genéticas de pequeno efeito.
A maior parte das doenças comuns são causadas por uma junção de fatores genéticos e ambientais, e ambos são formados de fatores de pequeno efeito, mas quando somados podem ser responsáveis por um alto risco. Essa soma de variações genéticas pode gerar o Escore de Risco Poligênico (do inglês, Polygenic Risk Score, PRS) e descobrir quais são essas variantes e qual é a parcela do efeito de cada uma é uma tarefa complexa, porém atingível.
O resultado da análise é o mesmo para qualquer população?
Não. Escores de risco são uma conta da probabilidade de ocorrência de um evento em uma população. Alguns escores precisam de uma adaptação quando aplicados a diferentes populações. E, ainda assim, algumas pessoas podem fugir à predição dos escores.
Em Medicina de Precisão, a aplicação de dados genômicos para a estratificação de risco de um indivíduo espera um risco mais preciso do que aquele já construído para a população geral, e isso requer dois ajustes.
Primeiro: trazer o risco genético para a população específica. A maioria dos PRS desenvolvidos e vendidos comercialmente são aplicáveis a populações europeias, pelo volume de indivíduos sequenciados nos bancos de dados com essa ascendência. Para conseguir trazer esses resultados para a realidade brasileira, é preciso realizar uma transposição dos escores, atingido com uma grande população sequenciada e modelos matemáticos.
Segundo: calcular o risco global a partir do PRS, e de outros dados clínicos e de estilo de vida que possam influenciar o risco final para o indivíduo. Esse cálculo global pode ser atingido com o desenvolvimento de modelos analíticos de aprendizado de máquina que precisam ser constantemente ajustados.
Há mudança de conduta com essa informação?
Se todas as etapas anteriores forem atendidas, ao final teremos um teste que analisa o genoma individual e cria escores para doenças com contribuição genética adaptados à população alvo. Com isso, trazem um incremento ao escore clínico já estabelecido e, dessa forma, sim, haverá mudança de conduta, pois a entrega é um escore de risco, diretamente relacionado à doença e personalizado.
Porém, se alguma das etapas não forem atendidas, pode-se ter um teste de baixa utilidade clínica, em que a aplicação não é determinante para o desfecho da doença. Ao final veremos que, para que essa nova abordagem funcione, é fundamental que o indivíduo seja o centro da própria saúde, participando ativamente e com conhecimento mais preciso para que tome as decisões mais adequadas para o seu cuidado.
Tatiana Almeida, médica geneticista, consultora de Analytics – Big Data e coordenadora de Ciência de Dados – Laboratório Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein. Edson Amaro, superintendente Analytics e Ciência de Dados – Big Data do Hospital Israelita Albert Einstein.
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