Colunistas

ARGENTINA

Vice de Milei ameaça conquistas de direitos humanos

Na verdade, Villarroel ganhou projeção muito tempo antes de Milei, ao comandar uma organização, a CELTYV, que caminha contra a corrente da exemplar defesa dos direitos humanos de que a Argentina pode se orgulhar

Em 06/09/23 13:34
por Coluna da Sylvia

Sylvia Colombo nasceu em São Paulo. Foi editora da Ilustrada, da Folha de S. Paulo, e atuou como correspondente em países como Reino Unido, Colômbia e Argentina. Escreveu colunas para o New York Times em Espanhol, o Washington Post em Espanhol, e integra os podcasts Xadrez Verbal e Podcast Americas. Entrevistou a vários presidentes da regão. Em 2014, participou do programa da Knight Wallace para jornalistas na Universidade de Michigan. É autora do "Ano Da Cólera", pela editora Rocco, sobre as manifestações de 2019 em vários países da regiõa. Vive entre São Paulo e Buenos Aires, enquanto viaja e explora outros países da Latam

Muito se vem falando do candidato ultralibertário Javier Milei, na Argentina. Pouco, porém, se debate sua fórmula para a vice-presidência, a deputada de extrema-direita Victoria Villarroel. As eleições ocorrem no próximo dia 22 de outubro.

Não se trata de uma desconhecida da população argentina. Na verdade, Villarroel ganhou projeção muito tempo antes de Milei, ao comandar uma organização, a CELTYV, que caminha contra a corrente da exemplar defesa dos direitos humanos de que a Argentina pode se orgulhar.

O CELTYV (Centro de Estudios Legales sobre el Terrorismo y sus Víctimas) se dedica a recolher dados de “vítimas da guerrilha”, e pede reparações a todos aqueles que foram mortos por ações de grupos que resistiram contra a ditadura, como Montoneros e o ERP (Exército Revolucionário do Povo), os principais grupos guerrilheiros da época.

Os argumentos que usa Villarroel são mentirosos. Primeiro porque não é verdade o que afirma ao dizer que governos democráticos só se propuseram a julgar os militares. Nos primeiros anos pós-ditadura, durante a gestão de Raúl Alfonsín, foram condenados 62 guerrilheiros que haviam cometido assassinatos. Em 1973, quando o então presidente Héctor Cámpora deu anistia a guerrilheiros, havia pelo menos 500 presos.

É possível questionar essas anistias, é claro, mas aí o que conta é o fator tempo. A Argentina é signatária do Estatuto de Roma, que afirma que os crimes cometidos por civis prescrevem depois de um tempo, enquanto a violência do Estado, não. Seus crimes são considerados de lesa humanidade e portanto não prescrevem. Pois Villarroel chamou a atenção para o que pretende levar adiante caso seja eleita ao lado de Milei, durante uma sessão na legislatura de Buenos Aires, nesta semana.

Em seu discurso, Villarroel, que é filha de militares, disse que o país necessita ter uma “memória completa” do que ocorreu, e que, por isso, seria necessário olhar para “as outras vítimas” (as dos guerrilheiros). Propôs que se retomassem julgamentos, que se oferecessem anistia a genocidas presos e que fossem interrompidas as ajudas do governo para o funcionamento das organizações de direitos humanos que buscam vítimas da repressão há mais de 40 anos, como as Mães e as Avós da Praça de Maio.

O público lotou a sessão e a aplaudiu. Porém, do lado de fora, uma multidão apareceu para protestar e teve de ser separada do prédio da legislatura por barras de metal.

Villarroel, 48, visita velhos comandantes nas prisões e garante que lutará para que suas penas sejam canceladas. Tem o apoio de vários familiares de vítimas, como o de Arturo Larrabure, filho do militar Argentino Del Valle Larrabure, que foi mantido sequestrado pelo ERP por um ano antes de ser assassinado, e de Claudia Rucci, filha do sindicalista José Ignacio Rucci, um assessor de Perón, que foi morto pelos montoneros em 1974.

O que não se conta sobre este famoso assassinato é que seus executores foram todos presos, e na época o próprio Perón repudiou o ocorrido.

Os ânimos do lado de fora da legislatura mostram que esse enfrentamento proposto por Villarroel será um fator mais a dividir a sociedade argentina, entre as outras ideias delirantes de Milei com relação à economia e a reorganização do Estado. Os manifestantes gritavam, entre outras coisas: “Não se homenageia o fascismo, se combate” e “Nunca Mais”.

As ideias negacionistas de Villarroel mostram um dos graves perigos desta candidatura. O de que haja um total retrocesso numa política de direitos humanos que foi levada como prioridade por quase todos os governos democráticos do país, independentes de seus partidos, e que é um exemplo para os outros países da região. E tudo isso ocorre justamente no ano em que a Argentina completará 40 anos de democracia.

últimos vídeos

Inscreva-se no Canal MyNews

Vire membro do site MyNews

Comentários ( 0 )

Comentar

MyNews é um canal de jornalismo independente. Nossa missão é levar informação bem apurada, análise de qualidade e diversidade de opiniões para você tomar a melhor decisão.

Copyright © 2022 – Canal MyNews – Todos os direitos reservados. Desenvolvido por Ideia74

Entre no grupo e fique por dentro das noticias!

Grupo do WhatsApp

Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo.

ACEITAR