Se a Abin é tão suscetível a ação política dos subvertores da ordem, é de se questionar se há razões para sua existência no Estado Democrático de Direito
por Daniel Godoy em 06/02/24 19:35
Inspirada na doutrina de segurança nacional, base curricular da Escola das Américas (onde se formaram a maioria dos ditadores latino americanos à partir das décadas de 70/80) criou-se no Brasil o SNI, instituído pela Lei Nº 4.341, de 13 de junho de 1964. Tinha como finalidade “os assuntos atinentes à Segurança Nacional, (e) operará também em proveito do Conselho de Segurança Nacional”, conforme art. 1º. E assim, atuou na repressão aos movimentos políticos de resistência ao regime militar, em conjunto com a Policia Federal, o Ciex, Cenimar e Cisa e outros, a nível federal e estadual.
Na esfera internacional, foi um dos pilares da chamada Operação Condor, multinacional da repressão, com tentáculos no Chile, Brasil, Argentina e Uruguay naqueles fatídicos anos.
Com o fim da ditadura, em 1985, o SNI continuou existindo. Apenas em 7 de dezembro de 1999, pela Lei 9.883/1999 foi criada a Agência Brasileira de Inteligência, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, para substituir o Serviço Nacional de Informações.
Desta forma, constituiu-se o Sistema Brasileiro de Inteligência, cujo objetivo é “fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional”. O sistema inclui diversos órgãos, como Gabinete de Segurança Institucional (GSI), a Inteligência da PF e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Ministério da Defesa, os Centros de Inteligência da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, dentre outros.
Veja-se que a estrutura vertical e horizontal do sistema é praticamente a mesma da época da ditadura. A doutrina será a mesma que o SNI empregava no período ditatorial? A guisa de fornecer alguns subsídios para uma resposta, proponho que o leitor responda a indagação.
Sucede que agora, como nunca dantes se viu, diante do maior escândalo no qual se vê envolvida a Abin, todo o sistema é posto em xeque.
Não me refiro apenas a ilegalidade dos atos da chamada Abin “paralela”, que operava o sistema First Mile, adquirido em Israel. O problema é mais grave. Vários Estados adquiriram o mesmo programa, Mato Grosso, São Paulo, Amazonas, Goiás, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Pará, Espírito Santo, Paraná e Alagoas.
Interessante que um mesmo programa tenha sido adquirido por mais de um terço dos Estados Brasileiros, à mesma época, no chamado governo Bolsonarista. Criou-se um sistema nacional de investigações acerca dos adversários políticos dos Governadores e do inelegível Presidente?
Se sim, com que objetivos, com quais finalidades? No Paraná, um caminho aponta para uma atuação pouco transparente do Estado. Um marroquino, Mehdi Mouazen, diretor de Inteligência da Controladoria Geral do Estado (CGE), foi nomeado pelo Governador Ratinho Junior, o qual, contudo, alega desconhecê-lo. Este Diretor de Inteligência é o responsável pela operação do sistema Firstmile no Paraná. Há fortes suspeitas nos meios políticos do Estado quanto a finalidade e utilização do referido programa.
O Deputado Estadual Arilson Chiorato, (PT/PR) oficiou ao Ministério da Justiça para que informe uma série de questões envolvendo a aplicação do sistema no Estado, em especial buscando a nominata de autoridades e cidadãos monitorados.
Coincidência ou não, o ex-chefe da Casa Militar do Governo Ratinho Junior foi encontrado morto em sua residência, recentemente.
A Abin é um sistema de inteligência e informações que opera em rede, como vimos acima. Com a suspeita de que durante o governo Bolsonaro a agência tenha sido utilizada para monitoramento de opositores e até de aliados, nos parece que a doutrina de segurança nacional – aquela da Escola das Américas – ainda está em uso.
É forçoso concluir que é necessária uma revisão profunda do sistema, sob pena de se permitir a subsistência no aparelho de Estado órgãos destinados a repressão politica e perseguição de opositores, como se viu no regime militar. Se a Abin é tão suscetível a ação política dos subvertores da ordem, é de se questionar se há razões para sua existência no Estado Democrático de Direito, eis que se mostra impermeável aos controles constitucionais.
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