No âmbito do combate ao maior desafio do século, as desigualdades entre as nações evidenciaram crises que ultrapassam ideologias e esbarram na ignorância
por Creomar de Souza em 27/05/21 09:02
A covid-19 é o maior desafio deste século. Um desafio a um só tempo político, econômico, social e sanitário. Seu potencial paralisante do ponto de vista econômico e a capacidade de sobrecarregar sistemas de saúde por onde passe criou cenas que se perpetuarão em livros de história por longo período. E para além das questões já levantadas, a pandemia revelou também a capacidade e a resiliência de algumas sociedades em comparação com outras.
Um olhar panorâmico sobre a realidade permite vislumbrar de maneira mais efetiva esse quadro. De um lado, temos os países com a capacidade de produzir insumos médicos, tais como, equipamentos de proteção, seringas, agulhas e as tão desejadas vacinas. De outro, estão aqueles que se tornaram em alguma medida reféns daqueles polos de produção. Ao lançarmos uma observação mais atenta sobre este último grupo, é possível identificar algumas soluções bem-sucedidas que poderiam ser replicadas.
Inicialmente, vale mencionar o caso de sucesso representado por Israel. A sua proatividade em dialogar e negociar com um grande laboratório permitiu colocar em marcha uma estratégia de rápido processo de imunização de sua sociedade. Em paralelo, não se pode deixar de mencionar os EUA. A administração Biden criou as condições para avançar rapidamente na imunização de sua população, superando obstáculos importantes de ordem logística.
Esses casos de sucesso, porém, contrastam com as dificuldades e fracassos de outros países e regiões inteiras. Na América Latina, temos infelizmente alguns exemplos negativos em que se misturam dois elementos importantes: ausência de evidências para a construção de políticas públicas e a transformação de uma crise sanitária grave em objeto de confrontação política. Brasil e México, cada um em sua esquina ideológica, são casos ilustrativos de como não implementar políticas efetivas de enfrentamento da pandemia.
A situação de carência, confusão e desorganização em alguns países têm oferecido terreno para uma disputa por parte de atores internacionais interessados em aumentar poder e influência. Moscou, Pequim e Washington, cada um a seu modo, tem tentado explorar as vantagens estratégicas de produzirem os insumos médicos e vacinas necessários para a contenção da pandemia. Após assegurar os seus próprios suprimentos, essas potência passam a fazer uso da diplomacia da vacina para ganhar influência, no que alguns observadores chamam de “geopolítica da vacina”.
O Brasil, que tem todo o potencial para ser um ator relevante em matéria de vacinas, infelizmente ficou para trás. Virou um peão no tabuleiro geopolítico global, à mercê de outros países, tanto por falta de investimento em pesquisa internamente, quanto por estratégia equivocada de antagonizar parceiros estratégicos gratuitamente. Some-se a isso o negacionismo e o descompromisso de certos tomadores de decisão com políticas pública baseadas em evidências e temos a receita para um país dependente e sem rumo.
O curto-circuito decisório que marca a gestão brasileira da pandemia tende a cobrar uma fatura alta da sociedade. Para além do irreparável dano causado pela morte de quase meio milhão de brasileiros, falas desarrazoadas, posturas dúbias ou comportamentos isolacionistas tendem a tornar o país presa fácil em uma série de agendas estrategicamente importantes para a retomada da economia em algum momento do futuro.
A tempestade perfeita que assola o país inclui uma crise de imagem sem precedentes, que se inicia com o fracasso na contenção da pandemia, passa pelo pífio desempenho econômico e se consolida na má-gestão ambiental.
Enquanto no Brasil se gasta tempo e recursos públicos discutindo no Congresso a eficácia de soluções manifestamente ineficazes contra a pandemia, partes cada vez mais significativas do mundo se preparam para a retomada econômica. O prospecto para o mundo pós-covid é de crescimento, mas, somente para aqueles que não subestimaram a gravidade da situação, nem o fato de que há apenas um tratamento precoce possível, a vacinação. Ao ignorar tais verdades, a sociedade brasileira acelera sua marcha rumo a uma tragédia que tenderá a envergonhar nossos descendentes e condenar nossos líderes no implacável tribunal da História.
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