As mesmas instituições que deveriam garantir a segurança da população, historicamente têm aumentado a exposição dos cidadãos ao risco
por Cecília Olliveira em 26/04/21 11:55
No mesmo mês em que ocorreu a audiência Pública sobre letalidade
policial no Rio de Janeiro, convocada no âmbito da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 pelo Supremo
Tribunal Federal, o Ministério Público do Rio de Janeiro extinguiu o
Gaesp, o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública, do
Ministério Público. O fim do Grupo que apurava a má conduta de
policiais fragiliza ainda mais o já fraco controle da violência policial no
Rio. Mas quem se importa?
A Audiência Pública ouviu uma centena de pessoas e organizações em
dois dias de discussão. O Governo do Rio sequer se dignou a enviar um
representante. O silêncio diz muito.
Em 2019, o Estado bateu o recorde de mortes cometidas policiais. Foi o
maior número de toda a série histórica, iniciada em 1998. E isso, sem
surpresa, não diminui a violência, como atesta estudo do MP.
Após pressão e inúmeras críticas, feitas na imprensa e na audiência pública, o MP criou um “Grupo Temático Temporário”, para “o atendimento às determinações de redução da letalidade e da violência policial no Estado”. O GTT é um paliativo sobre o fim do Gaesp, mas temporário. A resolução GPGJ nº 2.411 foi publicada na sexta feira (23).
Operações policiais mal planejadas, como a ação conjunta da Polícia
Civil e Federal, que vitimaram João Pedro, e outras que interromperam a
bala a distribuição de cestas básicas para socorro na pandemia, foram o
estopim para que o STF agisse. Assim foi estabelecida a suspensão de
operações não urgentes e não justificadas com antecedência ao MP, a
ADPF 635.
A medida trouxe bons resultados.
Quantos de nós sabíamos que 1 criança é baleada no Grande Rio a cada
17 dias? Isso é inadmissível. Em 5 anos houve mais de 30 mil tiroteios na
região metropolitana, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado. Isso é
incompatível com o estado democrático de direito e só ocorre porque o
estado aposta em políticas públicas fracassadas e falha em garantir o
monopólio do uso da força. No caso, é incapaz de conter a circulação de
armas, visto que cerca de 71% dos tiroteios ocorrem na ausência das
forças de segurança estatais.
Somado a isso, as consequências da atuação das polícias priorizando o
confronto ao invés de ações de inteligência, nos expõem a desastres incorrigíveis, como a morte das primas de Emily e Rebecca, de 4 e 7
anos, mortas durante uma ação policial em Caxias.
Neste período, houve agentes de segurança em mais de ¼ do total dos
tiroteios e estas ações resultaram em 60% dos mortos e 80% dos feridos
no Grande Rio. Ou seja, as mesmas instituições que deveriam garantir a
segurança da população, historicamente têm aumentado a exposição dos
cidadãos ao risco.
Durante o período de vigência da ADPF, os tiroteios caíram 22%. E
tiroteios com a presença de agentes de segurança caíram ainda mais:
32%. O número de mortos caiu 33% e o de feridos, 28%. São números
muito expressivos para quem vive o cotidiano do Rio.
A grande preocupação de quem se opunha à ADPF era que sem
operações policiais em favelas, os crimes iriam aumentar – o que não
aconteceu. Um estudo da Universidade Harvard mostrou que ADPF não
fez aumentar de maneira expressiva os roubos e furtos; ataques a
policiais em patrulha rotineira também não cresceram. Nas apreensões
de drogas, principal motivo para as operações, o impacto foi mínimo.
Ou seja, é possível haver uma política pública de segurança que preserve
vidas. É possível que a gente não perca Agathas, Joãos Pedro, Emilys,
Rebeccas, Anas Clara. Mas quem se importa?
Cecília Olliveira é jornalista investigativa especializada na cobertura de tráfico de drogas e armas e violência. É fellow da Shuttleworth Foundation e escreve para o El País Brasil. Ela foi a única finalista latino-americana do Prêmio Repórteres Sem Fronteiras de 2020, que homenageia vozes intrépidas e corajosas na mídia global.
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