Um caso televisionado e explícito como o que sofri faz parte da cultura machista e de violação dos direitos das mulheres no país todo
por Isa Penna em 20/01/21 16:50
Meu nome é Isa Penna, sou advogada, e desde 2019 atuo como deputada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Antes disso já servi à população como assessora parlamentar e vereadora na cidade de São Paulo, quando fui alvo de assédio moral e sexual em meio ao exercício das minhas atividades, mas nada comparável a violência que viria sofrer em dezembro do ano passado.
Ao final de todo ano as deputadas e deputados da Alesp se reúnem para votar o orçamento do Estado em sessões que muitas vezes se estendem por longas horas e até mesmo avançam a madrugada. Esse foi o caso da 65a Sessão Plenária Extraordinária que ocorreu no dia 16 de dezembro de 2020, em que ficamos no plenário até depois da meia-noite. Em meio à votação, eu estava debruçada na mesa diretora perguntando ao presidente da Câmara, Cauê Macris, sobre o cronograma de votação de outros projetos de lei quando senti que outro deputado começou a apalpar meu corpo por trás na altura dos meus seios.
Na hora minha reação foi repeli-lo imediatamente e avisar Macris, que presenciou a cena, que tal comportamento é inadmissível. Pouco tempo depois confirmei a gravidade do que havia ocorrido ao assistir a gravação da sessão disponível publicamente no YouTube. Fernando Cury, um deputado do Cidadania que eu desconhecia completamente, havia apalpado meu seio em meio à sessão plenária na frente do presidente da Câmara, e, ao que parece, o fez de forma intencional, dado que outro colega, momentos antes, tentou impedi-lo de se aproximar de mim.
No dia seguinte, ainda em choque por conta da situação, ingressei com uma representação no Conselho de Ética da Alesp e registrei um Boletim de Ocorrência eletrônico por ‘importunação sexual’, e na sexta-feira, 18, minhas advogadas de defesa, Mariana Serrano e Danyelle Galvão foram ao Ministério Público para que eu fosse ouvida.
Por conta de sua gravidade, o caso logo alcançou repercussão nacional e para que que pudesse ser julgado o quanto antes o Conselho de Ética da Alesp, prontamente obteve quórum para realizar sua abertura excepcionalmente no início de janeiro, período de recesso parlamentar. Três dos nove membros do Conselho requisitaram a abertura dos trabalhos em caráter urgente dos trabalhos: os deputados Emídio de Souza, Prof. Carlos Giannazi e Campos Machado, sendo que Giannazi cedeu seu lugar para a deputada Érica Malunguinho, dado que havia apenas uma mulher no Conselho, a deputada Maria Lúcia Amary, que também o preside.
Contudo, no dia 28 de dezembro, a Procuradoria da Alesp emitiu um parecer informando que o Conselho de Ética não poderia se reunir em janeiro para julgar meu caso. Isso só poderá ocorrer se a maioria absoluta dos deputados e deputadas da Casa, bem como seu atual presidente, Cauê Macris, compreendam que o julgamento da violência sexual que sofri no plenário é urgente e de interesse público, e, com base nesse entendimento, decidam convocar uma sessão da Assembleia, que se encontra de recesso até dia 1o de fevereiro, e, apenas assim o Conselho poderá se reunir.
Atualmente 115 mil pessoas demandam a cassação imediata de Fernando Cury em um abaixo-assinado organizado pelo meu mandato, e, para se defender, o deputado já contratou Milton Abrucio Junior, diretor geral da CDN Comunicação e especialista em gestão de crises, que trabalhou como como gerente de crises da Odebrecht.
Apesar disso, até agora nem o presidente da Assembleia, Cauê Macris, e nem o governador João Doria, se expressaram publicamente a respeito do caso ou entraram em contato comigo para prestar solidariedade, como já o fizeram outras deputadas e deputados, bem como dezenas de lideranças políticas, entidades e organizações da sociedade civil.
Porém, eu realmente espero que Macris se comprometa em apoiar a convocação extraordinária da Alesp, dado que isso é um dever cívico e moral da maior casa legislativa do Brasil. A Assembleia Legislativa de São Paulo não deve medir esforços para tanto e dar o exemplo de como devem ser conduzidos os casos de violência de gênero no país.
Um caso televisionado e explícito como o que sofri faz parte da cultura machista e de violação dos direitos das mulheres no país todo, e deve ser combatido com seriedade e urgência em respeito a todas as brasileiras. Por esse motivo, acredito que contarei com o apoio dos colegas e das colegas da casa, afinal os direitos das mulheres não possuem viés ideológico, são universais.
Isa Penna, 29, é advogada formada pela PUC-SP e deputada estadual pelo PSOL-SP
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