Sem imunização em massa, cenário ainda distante no Brasil, setor deve enfrentar dificuldades
por Alexandre Saconi em 31/03/21 21:31
Após uma sensação de melhora no começo do ano, o setor da aviação comercial no Brasil teve de dar um passo atrás em seus planos de retomada. O agravamento da pandemia obrigou as empresas a refazerem seus planos, mudando o horizonte de todo um setor onde há altos custos operacionais e baixas margens de lucro.
A partir de agosto de 2020, após a implementação de protocolos sanitários, o número de partidas diárias começou a crescer, saindo de 540 voos em julho do ano passado até o número de 1.798 decolagens por dia em janeiro de 2021. Essa quantia observada no começo do ano representava um total de 74,9% da operação registrada pelas aéreas brasileiras antes das restrições sanitárias.
Com a chegada da segunda onda da pandemia, esses números voltaram a cair, e o nível operacional de março de 2021 ficou em apenas 52,4% do registrado antes das medidas de restrição. E ainda não há uma solução fácil no horizonte, pelo menos, não no curto prazo.
Para Eduardo Sanovicz, presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), “a solução tem um nome: vacina”. “A retomada das atividades está ligada à vacinação em massa e, enquanto ela não ocorre, é compreensível que as pessoas recuem da ideia de viajar. Não é um caso que nos compete julgar e avaliar, é um fato: vai ter consumidor quando houver vacina”, diz Sanovicz.
Para o executivo, um dos motivos que representam a maior baixa na quantidade de voos é, também, o aumento no número de casos de covid-19 no país. “De fevereiro para cá, o recrudescimento da pandemia levou as pessoas a buscarem se preservar, se cuidar”. Um agravante em particular foi o aumento exponencial de casos e lotação de UTIs em São Paulo, estado que concentra a maior quantidade de bilhetes do país. Com isso, era inevitável que as malhas aéreas fossem readaptadas.
Mesmo diante desse cenário, as companhias aéreas vêm transportando vacinas gratuitamente para todo o país, como forma de combater a pandemia. Também têm sido realizado o transporte gratuito de profissionais da saúde, assim como foi feita uma força em conjunto para o transporte de oxigênio durante a crise de Manaus (AM).
A vacinação também é uma das soluções no ponto de vista de Ronei Saggioro Glanzmann, titular da Secretaria Nacional de Aviação Civil, do Ministério da Infraestrutura, embora o cenário para o setor em março e abril tenha uma perspectiva negativa. “O caminho que a gente vê pela frente é a vacinação em massa. É o Brasil ganhar tração na sua vacinação e começar a vacinar um maior número de pessoas”, diz o secretário.
Com esse ciclo de vacinação ampliado, o governo tende a passar a discutir protocolos internacionais para a retomada das viagens. Uma das soluções apontadas pelo secretário é a adoção do chamado “passaporte covid”, um documento que vem sendo debatido internacionalmente e seria uma certificação para garantir a livre circulação dos brasileiros por outros países.
“Estamos conversando com organismos internacionais, pois, para a retomada do mercado internacional, será necessária uma padronização. Tem de ter um sistema para que isso seja algo reconhecido, e estamos trabalhando com a possibilidade do passaporte digital. Ainda assim, em alguns países, ainda será exigido mais um teste, como o de PCR ou de IgG, e estes deverão ser certificados por órgãos reconhecidos, como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), por exemplo”, diz o secretário.
Glanzmann afirma que a segunda onda da pandemia será a mais difícil para todas as empresas do setor, e que o mercado doméstico foi muito resiliente em um primeiro momento. “Você já vem de um ano muito duro e encontra novos desafios pesados pela frente. Quanto aos auxílios ao setor, quem tem capacidade para isso é o Ministério da Economia, que é quem pode adotar essas medidas. […] E as empresas brasileiras mostraram que são sólidas e demonstraram isso ao sobreviver a 2020 sem nenhuma ajuda direta do governo.”
O jornalista Claudio Santos vive entre o Brasil e a França e relata dificuldades no deslocamento. Santos teve de viajar para a França no final de março e observou uma maior restrição ao fluxo de brasileiros, pelo menos para os países da Europa.
“Eu tenho passaporte europeu, e viajei com um dossiê completo para comprovar que a minha filha mora aqui na França. Ainda assim, ficou a sensação de que, se não fosse esse passaporte, eu não teria conseguido viajar. Já no balcão do check-in, dois brasileiros na minha frente foram barrados de voar”, diz o jornalista.
“As pessoas vindas do Brasil, com residência, têm de apresentar um exame de covid-19 até 72 horas antes do embarque. A segunda condição para entrar no país é fazer um exame sete dias depois de chegar em território francês para se certificar que não está infectado”, relata Santos.
O jornalista avalia que enquanto a pandemia no Brasil estiver “fora de controle”, não será seguro para nenhum brasileiro “viajar para qualquer lugar”.
Os desafios para manter as taxas de disseminação do novo coronavírus passam por um correto isolamento social. Segundo Tânia Chaves, infectologista consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), o momento é muito delicado. “Não é a hora para viajar. […] A América inteira está sofrendo os ecos de gestões em que não se deu a importância que se deveria dar para uma pandemia dessa magnitude”, diz a especialista.
Chaves ainda lembra que, com líderes que estimulam a aglomeração e o negacionismo, é muito difícil a pandemia ser controlada e, consequentemente, o setor se recuperar. “Hoje, nós temos mais de 300 mil mortos. Eu me envergonho disso. Ainda mais em um país que tem a expertise de vacinar como o Brasil. O mundo batia palmas para nós, e, hoje, o que vemos é uma destruição disso com um negacionismo”, destaca a infectologista.
Com a retomada gradual das operações entre os países, também será necessário considerar os protocolos que cada nação irá adotar para permitir as viagens, lembra a professora da UFPA. “Vão exigir a caderneta de vacinação específica para a covid-19? Vão exigir testes rápidos no desembarque? Ficarão quarentenados aqueles que chegarem de outros países? Isso ainda terá de ser definido.”
As três maiores empresas do país enfrentam o que, talvez, seja o pior momento de suas histórias. Azul, Gol e Latam mantiveram uma participação no mercado de 30,3%, 37,8% e 31,4%, respectivamente, entre os meses de março de 2020 e fevereiro de 2021, segundo dados da Anac Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
A Azul registrou um prejuízo líquido de R$ 10,179 bilhões em 2020. Ao mesmo tempo, a Gol registrou perdas de R$ 5,988 bilhões no mesmo período.
Todo o grupo Latam, que inclui as operações da empresa em outros países, teve um prejuízo líquido de US$ 4,545 bilhões (cerca de R$ 25,7 bilhões, em valores convertidos). A Latam Brasil acabou aderindo em 2020 ao plano de reorganização financeira do grupo que está sendo feito pelo Chapter 11 da legislação dos Estados Unidos, que seria o equivalente a um pedido de recuperação judicial no Brasil.
A Gol também passou por renegociações em sua frota, encerrando o ano com 127 aviões, frente a 137 no início de 2020. No mesmo período, a empresa ficou sem poder voar sua frota de Boeings 737 Max, que estavam passando por um período de atualizações em todo o mundo após acidentes com as aeronaves.
No período, a Azul não se desfez de nenhuma aeronave, e ainda concluiu a compra da Two Flex, totalizando 162 aeronaves. Por sua vez, a Latam Brasil voava 158 aeronaves antes da pandemia, e chegou a 103 aviões em operação no país atualmente.
A queda a um nível praticamente inexistente de viagens internacionais devido às restrições impostas no mercado e a viajantes oriundos do Brasil acabou afetando com mais força a Latam Brasil. A empresa tem força nas rotas para o exterior, e nunca retomou mais do que 20% dessa capacidade durante o período. Hoje, a empresa opera apenas 16% de sua capacidade internacional em comparação com março de 2019.
Juntas, as três empresas somam cerca de 41,6 mil funcionários. Azul e Latam não realizaram nenhuma demissão em decorrência da segunda onda da pandemia até o momento. Questionada, a Gol não respondeu a nenhum dos questionamentos feitos pela reportagem.
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