Economia

Entrevista

Henrique Meirelles: “Não existe nenhum país relevante no mundo que não tenha o BC autônomo”

Em entrevista ao MyNews, ex-ministro da Fazenda defende projeto aprovado na Câmara para BC, pede retomada do auxílio emergencial e fala sobre o fechamento do comércio em São Paulo

por Juliana Causin em 13/02/21 11:06

A aprovação do projeto de lei de autonomia do Banco Central é um avanço que coloca o Brasil em linha com os bancos centrais das principais economias do mundo. Essa é a avaliação do ex-ministro da Fazenda do governo Temer e ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, atual secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo.

Para ele, o primeiro passo para autonomia do BC foi dado durante o governo do ex-presidente Lula, quando ele ocupava o comando da autoridade monetária. “Foi um avanço. Tirou o Banco Central dessa posição de autarquia subordinada ao Ministério da Fazenda e transformou em um órgão equivalente aos demais ministérios”, afirma. O projeto aprovado na Câmara foi importante, segundo ele, para tornar “formal” a autonomia que se tornou “operacional”.

Meirelles falou ainda sobre a importância da vacinação para a retomada econômica, defendeu uma nova rodada de auxílio emergencial e disse que é preciso cortar gastos para recriar o benefício à população. Sobre o papel de São Paulo no apoio ao comércio afetado pela pandemia, o ex-ministro defendeu que a responsabilidade de auxílio financeiro era do governo federal. Sobre os planos para uma candidatura em 2022, desconversou:” No devido tempo eu vou parar e pensar nesse assunto”.

Henrique Meirelles

Henrique Meirelles dá entrevista ao MyNews
Brasília – O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, participa de cerimônia de assinatura de adesão do Brasil ao Clube de Paris (Valter Campanato/Agência Brasil)

Qual é sua avaliação sobre o projeto de autonomia do Banco Central? Uma das mudanças foi a retirada do status de ministro para o presidente do BC. Esse status foi criado durante o governo Lula, quando o senhor era presidente do Banco Central. Fazia sentido na época?

Na época, o status de ministro para o presidente do Banco Central era absolutamente fundamental. O presidente do BC até aquela época não era considerado ministro porque o Banco Central era considerado uma autarquia do Ministério da Fazenda. Essa era a formatação legal do Banco Central. É importante falar que na época foi dado o primeiro passo para a independência do BC, que passou a ser uma entidade independente, respondendo diretamente ao presidente da República e ao Senado que aprova o presidente do Banco Central.

Não teve mais a subordinação ao Ministério da Fazenda que antes existia e que era completamente dessintonizada com absolutamente tudo que existe nos países mais relevantes. Foi um avanço. Tirou o Banco Central dessa posição de autarquia subordinada ao Ministério da Fazenda e transformou em um órgão equivalente aos demais ministérios. O Banco Central a partir daí passou a ter independência para conduzir suas decisões. Passou a ter o que foi chamado de ‘independência operacional’. 

A oposição ao projeto de autonomia do Banco Central tem falado sobre um risco de maior influência do setor privado na instituição e a necessidade de regras de transição de diretores para o setor privado. Esse risco existe?

Não existe essa possibilidade. Na realidade, se você pensar nesses termos, existe o risco para qualquer ministério. O ministro pode sair e voltar para a iniciativa privada.  Esse é um argumento clássico visando tirar a independência. No momento em que se deixa o Banco Central formalmente dependente de outro órgão, do presidente ou do ministro da Fazenda, por que não há problema?  A influência só existe se o BC for independente? Na verdade é o contrário.

O Banco Central precisa ser fiscalizado como qualquer entidade do setor público, seja do executivo, do legislativo ou do judiciário. Tem que deixar então que o presidente do Supremo seja subordinado ao presidente da República para evitar que ele seja subordinado ao escritório de advocacia? Esse é um argumento tão patético que ninguém vai usá-lo. A experiência do Banco Central independente é uma experiência consagrada. Não existe nenhum país relevante no mundo que não tenha o BC autônomo.

Sobre o auxílio emergencial. O governo de Jair Bolsonaro ainda não bateu o martelo sobre como encontrar espaço fiscal para recriar o benefício. É importante uma nova rodada de auxílio? Como fazer?

É importante. Porque a recuperação da economia brasileira durante o segundo semestre de 2020 se deu fundamentalmente impulsionada pelo auxílio emergencial. O auxílio não só propiciou a sobrevivência de muita gente, mas também movimentou comércio e consumo, o que gerou renda e girou a economia. Essa é a medida adequada em um momento em que você tem um desemprego tão grande como numa pandemia. É o que tem se feito hoje nos Estados Unidos, com o projeto de Joe Biden, e em muitos outros países. Isso, no entanto, não pode obscurecer uma outra questão que independe disso, que é a questão da sustentabilidade fiscal. Uma coisa é você discutir: esse gasto é justificável? Perfeitamente. É necessário? É. Isso não quer dizer que ele não precise ser financiado de uma maneira adequada. 

Qual é a maneira mais adequada para financiar o auxílio?

Corte de outras despesas. Por exemplo, a reforma administrativa que corta despesas do funcionamento da máquina pública. Benefícios, salários… São Paulo está fazendo isso, uma reforma bem-sucedida e rigorosa, que tem um resultado muito importante. Então é isso. Você corta benefícios, você fecha empresas que não tem mais finalidade, fecha fundações que não tem mais finalidade também. Você faz tudo aquilo que já deveria o estado fazer de qualquer maneira. Mas no momento em que há essa necessidade é uma boa motivação para de fato se tomar esse tipo de atitude. Portanto, cortar despesas para financiar o auxílio é fundamental. 

O ritmo lento da vacinação no Brasil pode prejudicar a nossa retomada econômica?

Sim. A plena recuperação da economia em todos os países, mas particularmente no Brasil, foi muito atingida pela pandemia. Como é que nós vamos conter a pandemia? Com a vacina. Não tenho dúvida que é o caminho. O que nós temos que fazer, o nosso grande desafio agora, é vacinar toda a população brasileira durante o ano. Esse é o nosso desafio. Nós acreditamos que a população de São Paulo vai ser vacinada até o final do ano. Mas é importante que isso seja levado no país como um todo, não só no estado de São Paulo. Várias empresas procuraram o governo federal e não tiveram sucesso. Depois eles correram atrás. É importante que o governo federal se organize não só para comprar a vacina, mas também para vacinar. Aí tem o desafio do local, do profissional, da agulha e tudo isso. Não há dúvida de que o sucesso da vacinação garante a retomada econômica. 

O Governo de São Paulo foi alvo de críticas do setor de comércio, bares e restaurantes por causa das medidas de restrição na pandemia da Covid-19. Inclusive com cobranças sobre necessidade de programas de auxílio ao setor durante esse momento. A resposta do governo do estado, com auxílio financeiro anunciado somente em fevereiro deste ano, foi eficiente?

É preciso separar as coisas. A questão fundamental para bares e restaurantes e etc diz respeito a medidas de combate à pandemia, de proteção à população. Não é uma questão fiscal. Claro que tem consequências financeiras. As medidas são medidas sanitárias, para evitar o número de mortes e internados. Não é algo que alguém goste de fazer ou algo adequado em uma situação normal você fechar bares e restaurantes em determinado horário. Não é isso que estamos fazendo. Mas devido a segunda onda da covid-19, ao aumento da contaminação, o número de óbitos e internações, para proteger a população, é necessário fechar aqueles locais em que se tem a maior oportunidade de contaminação. É simplesmente uma medida necessária. É normal que muita gente não goste.

Mas e as críticas em relação à demora para um auxílio aos comerciantes nesse momento? Um pacote econômico para ajuda a bares e restaurantes foi anunciado em fevereiro deste ano.

Medidas de crédito e ajuda financeira foram tomadas pelo governo federal. O governo federal tem o Banco do Brasil, tem a Caixa Econômica Federal. E o governo federal tem outra característica da maior importância que é a possibilidade de emissão de título da dívida. O estado não pode simplesmente gastar porque acha que deve conceder crédito, deve ajudar. O estado não tem de onde tirar isso. O estado só pode gastar aquilo que ele arrecada, a não ser que ele faça algo como criar imposto.

O governo federal é diferente. No ano passado o déficit público foi de R$ 740 bilhões. De onde vem o dinheiro? Emissão de título. Vai ter que pagar mais a frente, mas existe essa possibilidade, que o estado não tem. Esse tipo de ajuda tem que ser feita pelo governo federal. Questões de crédito também. É um pedido importante e interessante, mas que tem que ser feito a quem tem capacidade e instrumentos para atender isso que é o governo federal. 

Falando em arrecadação, o presidente Jair Bolsonaro anunciou na semana passada a intenção de enviar ao Congresso um projeto de lei que altera o ICMS dos estados para os combustíveis. Houve algum avanço nas conversas com governos estaduais desde esse anúncio?

Não tive informação que o presidente chegou a mandar nenhum projeto de lei específico para isso. Inclusive não cabe. Ele falou sobre o assunto. O que me pareceu muito mais um desvio de assunto. “Ah, vai pedir para os governadores para baixar o preço da cobrança do ICMS sobre os combustíveis”. É um desvio de assunto. Mais da metade do preço do combustível é fixado pela Petrobras, não pelo estado. A Petrobras fica o preço do combustível no mercado internacional e tem um percentual também dos impostos federais. E tem uma parcela apenas de 14% dos impostos estaduais. Ele jogou o problema como uma forma de deixar de ser cobrado. Ele faz isso de certa forma até com uma certa eficiência – desvio do assunto. Ai todo mundo vai discutir o desvio de assunto. Aí o jornal discute, os secretários de Fazendo enviam cartas e etc. E estão discutindo o que? Um desvio de assunto que é até que ponto o governo deveria ou não, na medida que a Petrobras é uma empresa federal, ter alguma ação para conter o preço do combustível ou não.

Quais os planos para 2022? Pretende tentar uma nova candidatura?

Como eu estou no cargo hoje como político, como secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, num estado importante para economia brasileira,  eu não fico discutindo que decisão eu vou tomar ou não no próximo ano. Evidentemente que quem está seguindo uma carreira política, está num cargo eletivo, é absolutamente normal que esteja discutindo essa questão. Quem está em um cargo econômico e técnico, eu acho muito importante estar 100% voltado para o trabalho do momento. Tudo tem o seu tempo.

Quando chegar o momento de tomar a decisão, a decisão será tomada. Mas eu não me preocupo com isso. Eu tenho uma carreira consolidada, eu acredito que tive sucesso com minha candidatura em 2018. Nós mudamos de fato a agenda do debate. Tudo isso que nós estamos discutindo hoje – teto, reforma, reforma da previdência – veio de uma agenda colocada naquele período. E, portanto, não há essa preocupação para mim no momento. Eu pretendo simplesmente fazer um bom trabalho na economia em São Paulo. No devido tempo, eu vou parar e pensar nesse assunto. 

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