Para o pesquisador, Brasil perde espaço no debate climático com lógica miliciana e paranoia militar pautando ações para o meio ambiente
por Juliana Causin em 24/04/21 14:18
O Brasil estava fora da Cúpula de Líderes sobre o Clima, ficou de fora e continua de fora. A avaliação é do pesquisador Ricardo Abramovay, professor Sênior do Programa de Ciência Ambiental do IEE/USP. Apesar do discurso mais diplomático do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no encontro, a análise de Abramovay é a de que o país fica à margem do debate multilateral que marcou a Cúpula, com novos paradigmas para a ideia de desenvolvimento econômico e ambiental.
“Nós, como brasileiros, temos que torcer para que no ano que vem, em alguma conferência internacional, alguma figura com a autoridade global do porte de Angela Merkel diga: ‘Nós estamos felizes em ter o Brasil de volta’”, afirma o professor, em referência ao discurso da chanceler alemã na última quinta-feira (22).
Aos 40 líderes que participaram da Cúpula organizada pelo presidente americano Joe Biden, Merkel disse estar “feliz” com o retorno dos EUA ao debate sobre o clima. “Estou muito satisfeita em ver que os Estados Unidos voltaram”, disse.
Para Abramovay, a saída do Brasil de protagonista na agenda ambiental, com a nova imagem de um “pária” no tema, tem como pano de fundo ações do governo baseadas no que ele chama de “liberalismo miliciano” e “paranoia militar”. O pesquisador, que há décadas estuda a relação do desenvolvimento econômico com meio ambiente, é autor, entre outros livros, de “Amazônia: Por uma economia do conhecimento da natureza”.
Ele explicou, em entrevista ao Dinheiro Na Conta, como essas vertentes fundamentam a maneira com que o governo de Jair Bolsonaro lida com o Meio Ambiente e a Amazônia:
O que é liberalismo miliciano na Amazônia
“Existe essa concepção no Palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios segundo a qual se você relaxar e eliminar os controles estatais sobre a vida econômica, o que vai florescer é o empreendedorismo.Na verdade o que acontece é que essa visão de mundo é a visão daquilo que nós podemos chamar de ‘liberalismo miliciano’. Por que? Porque aparentemente é um liberalismo, você deixa os atores econômicos fazerem o que bem entenderem.
Só que é miliciano porque na medida que você retira completamente as organizações estatais na supervisão daquilo que fazem os atores econômicos, o que emerge é a máfia, o que emerge são as milícias, são os interesses ligados à ilegalidade. Isso que era um fenômeno carioca agora transfere-se para o Brasil.
No caso da Amazonia, falo de um empreendedorismo que se apoia sobre trabalho escravo, sobre a apropriação de áreas públicas, sobre a ocupação de terras indígenas e sobre o garimpo ilegal. E é essa a base de sustentação política do governo que o faz agir assim”.
A “paranoia militar” sobre uma ameaça internacional
“Por outro lado, você tem a vertente militar dessa história, com uma concepção — e essa concepção vem desde quando os militares estavam no poder, durante a Ditadura – segundo a qual a Amazônia é um grande depósito de recursos que pode dar lugar à prosperidade do Brasil, enquanto interesses estrangeiros estão voltados a capturar esses recursos.
Nessa lógica, nós teríamos que explorar esses recursos o quanto antes para impedir que os interesses estrangeiros os capturem.
Em 2017, o General Eduardo Villas Bôas, em uma entrevista ao programa do Bial [Conversa com Bial, da TV Globo], perguntava porque o Príncipe Charles teria visitado a Amazônia. Na cabeça dele, o que acontece: o Príncipe Charles estaria fazendo uma aliança com os Yanomamis para permitir que a Inglaterra tomasse conta da Amazônia. Vocês vão dizer ‘é uma visão completamente alucinada’. É claro que é uma visão completamente alucinada.
Quando você junta essa lógica miliciana e essa lógica paranóica que vem dos militares o resultado é que você acaba tendo um discurso que não só compactua com a ilegalidade, mas que estimula a criminalidade.”
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