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Economia

Tributação

Países latinos aprovam taxação de grandes fortunas; medida funcionaria no Brasil?

Debate quanto a tributação sobre dividendos também ganha espaço em outros países

por Rodrigo Borges Delfim em 30/12/20 07:03

Ajuste fiscal, contas públicas, orçamento
Propostas que visam taxar fortunas, dividendos e patrimônio ganham espaço no Brasil.
(Foto: Marcos Santos/USP Imagens)

A crise econômica gerada pela pandemia tem trazido ao debate a taxação das chamadas grandes fortunas como forma de obter receita para financiar os esforços contra a Covid-19. Dois países vizinhos ao Brasil, inclusive, aprovaram recentemente a criação de taxas sobre os cidadãos mais endinheirados.

Na última segunda-feira (28), o presidente da Bolívia, Luis Arce, sancionou projeto aprovado em 10 de dezembro pelo Congresso Nacional, no qual decidiu-se pela taxação de grandes fortunas de residentes no país andino.

De acordo com a agência de notícias Efe, o imposto será aplicado a fortunas superiores a US$ 4,3 milhões (o equivalente a R$ 22 milhões). A alíquota será anual e permanente e vai variar de acordo com o patrimônio, podendo chegar a 2,4%.

Segundo Arce, o novo imposto visa estabelecer um regime tributário progressivo. O governo boliviano estima arrecadar o equivalente a US$ 15,1 milhões por ano — cerca de R$ 76 milhões — com a medida.

Esse caminho foi adotado mais cedo pela Argentina, que em 4 de dezembro aprovou a criação de um imposto que incide sobre grandes fortunas. A medida visa aumentar a arrecadação, afetada pela pandemia, e financiar esforços de combate à Covid-19 no país.

De acordo com o projeto aprovado pelos congressistas argentinos, haverá um imposto único de pelo menos 2% sobre pessoas físicas cujo patrimônio supere 200 milhões de pesos (algo em torno de R$ 14,6 milhões).

Outros países da América Latina, como Chile e Peru, também discutem propostas de taxar grandes fortunas.

O Brasil não está à parte desse debate. Somente em 2020, de acordo com estudo do Núcleo de Tributação do Centro de Regulação e Democracia do Insper, 13 proposições foram feitas por parlamentares no Congresso nessa direção. Se inclusos os projetos anteriores, o número salta para 37 — os mais antigos datam de 1989.

Os critérios que definem o que é uma grande fortuna, no entanto, variam de acordo com o projeto. As cifras mais baixas partem de R$ 2,2 milhões, enquanto outros aplicam essa régua apenas para patrimônios na casa dos bilhões de reais.

A própria Constituição brasileira prevê a taxação de grandes fortunas. No entanto, a medida jamais vigorou porque depende de Lei Complementar para ser regulamentada, o que não ocorreu até o momento.

Medida efetiva?

De acordo com o advogado tributarista Carlos Navarro, do escritório Galvão Villani Navarro, há um entendimento de que os mais ricos devem dar uma parcela maior de contribuição para ajudar no esforço de combate à pandemia.

“Essa é uma discussão boa porque há um consenso que os ricos precisam pagar a conta dessa crise. Há uma convergência nisso. Como se faz isso é algo que gera discussões”, pondera ele.

Segundo Navarro, a tributação de grandes fortunas pode ser útil como medida temporária, visando reforçar o caixa para financiar os esforços contra a pandemia. No entanto, vê potenciais prejuízos ao país caso se torne uma ação definitiva, como a fuga de capitais e de cidadãos mais abonados para o exterior.

“Existe uma guerra fiscal entre países para receber pessoas de maior renda”, acrescenta.

Já para a economista Juliana Inhasz, professora no Insper, impostos sobre grandes fortunas são importantes porque ajudam a gerar redistribuição de renda.

“Quando bem desenhados, eles podem ser bem benéficos, sim. Em algum momento o Brasil vai acabar seguindo pelo mesmo caminho. Só precisa tomar muito cuidado para que interesses se não sobreponham ao interesse maior que é colocar as contas em ordem e fazer uma economia que seja saudável. É uma fonte adicional de receita que pode ajudar a arrumar a casa”, disse a economista durante participação no Morning Call da última terça-feira (29).

Sobre o fato da taxação de grandes fortunas representar um possível desestímulo a investimentos, Inhasz descarta essa possibilidade caso a tributação seja bem feita. Ela sugere, por exemplo, que a tributação poderia ser menor para quem investe em setores considerados estratégicos para a economia.

“No geral se essa grande fortuna está sendo aplicada de forma devida, certamente eles [os investidores] vão ganhar um tanto a mais do que a alíquota que vão pagar ao ano. São medidas que tiram essa percepção de que a taxação de grandes fortunas pode ser prejudicial ao país”.

Tributação de dividendos e patrimônio

Um outro levantamento do Insper aponta, por outro lado, que a taxação de grandes fortunas vem perdendo terreno em países da OCDE (Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico) ao longo do tempo. Das 37 nações que atualmente fazem parte desse clube, somente três — Suíça, Espanha e Noruega — ainda utilizam esse recurso. No começo da década de 1990 eram 12 países.

Por outro lado, boa parte das nações que integram a OCDE está de olho em outra forma de obter receita extra daqueles que possuem uma maior renda, de olho no combate à pandemia e por uma maior justiça fiscal: a tributação sobre dividendos e patrimônios.

Para Navarro, essa discussão corrente em outras nações logo deve ganhar força também no Brasil. “O que veremos e já estamos vendo na OCDE é a tributação de dividendos mais forte. Esses países já tributam patrimônio num patamar maior que o Brasil e agora discutem tributar dividendos”.

Um dos elementos considerados problemáticos na tributação no Brasil é que ela ocorre especialmente sobre o consumo, incidindo menos sobre patrimônios e dividendos. Embora todos sejam cobrados igualmente pelo que consomem, o valor pago tem um peso muito maior para as famílias e indivíduos que comprometem a maior parte de seus vencimentos com bens de consumo.

No final do dia, essa carga recai de forma desproporcional para quem recebe menos, além de contar com dispositivos que beneficiam as classes mais altas. E por consequência, atua como um agente prolongador da desigualdade existente no Brasil, em uma espécie de “Robin Hood às avessas”.

“Temos [no Brasil] uma tributação muito concentrada no consumo e na folha e pouco concentrada na renda. Aumentar a tributação sobre a renda, de forma a tornar a carga mais progressiva é válida”, ressalta economista Vilma Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE) e colunista no MyNews.

Navarro vai na mesma linha e aponta que cada país deve olhar para si e encontrar formas de pagar os gastos da pandemia, mas também de prover um sistema tributário mais justo. “No Brasil o caminho seria a tributação de dividendos, dos patrimônios e uma tributação temporária de grandes fortunas”.

Inhasz concorda também que a revisão da estrutura tributária brasileira é algo urgente, indo além ainda das propostas de taxação de grandes fortunas. “O Brasil em algum momento vai ter que repensar suas formas de arrecadação”.

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