80 anos depois da publicação do livro “Brasil, um país do futuro”, a nação brasileira ainda vive de passado
por Francisco Saboya em 16/03/21 14:18
Chega a dar uma angústia lembrar que, 80 anos depois de Brasil, País do Futuro, a leitura de Stefan Zweig, escritor austríaco que escolheu o Brasil para se suicidar nos anos 40 do século passado, ainda provoca incômodos e reflexões. Já não era pro país ter chegado lá? O Brasil tem uma característica singular, e não é apenas seu povo pacífico, culturalmente harmônico, como celebrava o escritor em sua leitura otimista que contrastava com o cenário infernal da Europa em guerra. É a incapacidade de lidar com o futuro de forma objetiva, meio que fugindo dele ou, na melhor das hipóteses, adiando o encontro. É um país saudoso de um passado que nem é lá essa Brastemp. Não fossem Pelé e Tom Jobim, e a gente não teria muito o que contar.
O futuro é formado de coisas concretas, mas nasce de sonhos e imaginação. E a ciência, cultura e meio-ambiente são os principais vetores dessa jornada. Fazemos a melhor música, mas ninguém fora daqui ouve. Basta checar as estatísticas de economia criativa, onde as exportações de cultura são um traço. Temos as maiores matas, mas parece que temos raiva delas, a ponto de destruí-las com método. A generosidade do povo, retribuímos com políticas públicas que aprofundam a pobreza e as desigualdades sociais.
Fazendo da negligência uma política de estado, vamos nos distanciando do rol das nações mais prósperas. O Brasil corrói o seu futuro numa espécie de autossabotagem permanente. Já fomos a 8ª economia do mundo, somos a 10ª e tudo indica que seremos ao fim dessa pandemia a 12ª. Nada parece segurar o país rumo ao século 20, quiçá 19, onde éramos uma gigantesca e bucólica fazenda. E não se trata aqui de exagero de retórica, mas de fato. Pois o presidente do IPEA, o think tank oficial do país, que deve, através de estudos e pesquisas econômicas aplicadas, subsidiar a formulação de políticas de desenvolvimento de longo prazo, recentemente nos brindou com a perspectiva de limitar o país à produção de agrocommodities e minérios. E não foi demitido.
Mas tudo poderia ser diferente, porque, apesar de tudo e ao nosso modo, conseguimos desenvolver uma forte capacidade científica e tecnológica. Para ficar só num número, são 377 ICTs espalhadas pelo país, muitas dentro da universidade, outro tanto fora dela. Instituições assim, melhor aproveitadas, mobilizadas pelo setor produtivo e governo para inovar no enfrentamento dos desafios da sociedade, fazem a diferença.
Mas a realidade é desfavorável, e vem piorando. Somos o 14º produtor de conhecimento científico; ao mesmo tempo, ostentamos péssimos indicadores de inovação, produtividade e competitividade global, este último lá pela casa da 100ª posição. Esse hiato é mortal, e encurtar a distância entre o mundo da produção científica e o da produção econômica segue sendo a prioridade zero para a construção do país do futuro. Isso requer visão de longo prazo. Nas vezes em que pensou seriamente nisso, o Brasil gerou uma EMBRAER, EMBRAPA e PETROBRAS, para ficar nestes três exemplos de um país que deu certo.
Como o longo prazo mora no futuro, e a inovação é a construção permanente de futuros, não haverá saída para o país fora daí. Mas não um futuro difuso, qualquer um que se apresente. Mas aquele construído conscientemente, dia-a-dia, 24 horas por dia. Como ensinam os profissionais dessa área, o futuro manda sinais, e a gente tem que aprender seus códigos, falar a sua língua, para poder incorporar nas estratégias presentes porções generosas do que ainda está por acontecer, deixando o passado de lado. Em tempos de intensos avanços tecnológicos, de mudanças de paradigmas de produção e mesmo de comportamento social, o passado virou uma roupa que já não serve mais, como lembrava há décadas o genial Belchior. É um livro pra ser estudado, mas tem outra tarefa mais importante, que é escrever os próximos capítulos.
[A propósito, o Congresso Nacional está na iminência de votar pela aceitação ou derrubada dos vetos do presidente da República à LC 177. Esta Lei, aprovada de forma quase unânime, incluindo aí a base do próprio governo, concedia autonomia financeira e contábil ao FNDCT – principal instrumento de financiamento da ciência, tecnologia e inovação do país -, proibia o contingenciamento de seu orçamento e vedava a utilização do saldo não gasto no exercício para pagamento da dívida pública. O poder executivo vetou esses dispositivos. Quem quiser apoiar essa causa, vai aqui http://chng.it/KxqHmymFMF ].
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