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Francisco Saboya

O que vacinas e eleições possuem em comum

Cientistas, Quintana, são passarinhos. Maus políticos e negacionistas carregam a escuridão trancada por dentro. Esses, passarão. Quando? Somente as próximas eleições dirão

por Francisco Saboya em 09/12/20 21:23

Eleições e vacinas são tecnologias inventadas com o mesmo propósito: nos livrar de muitos dos males modernos, e outros nem tanto, amém. As primeiras são tecnologias da vida social; as segundas, da vida biológica. Ambas criadas pelo engenho humano, pela força do conhecimento e do progresso técnico. Elas são como marcadores do processo civilizatório.

Há 200 anos vacinas cuidam da imunização contra moléstias que têm a capacidade de limitar ou matar seres humanos. Peste bubônica, tifo, febre amarela. Cólera, varíola, caxumba e difteria. Pólio, sarampo e rubéola.  A ciência chegou lá. Outras estão ainda na fila de espera, como a malária e Aids – flagelo que faz 40 anos já levou mais de 35 milhões de vidas. Anunciada há pouco no Reino Unido, e com outras à caminho, brevemente o mundo disporá da anticovid, da xô-corona!

Olhando do retrovisor a partir desse ponto — quem sabe 3, 6, 12 meses? — perto de 2 milhões de pessoas teriam sido poupadas se laboratórios fossem formados por cientistas-videntes capazes de chegar adiantados pro compromisso de salvar vidas. Mas a ciência é lenta. Tem seus métodos e princípios. Foi com ela no entanto que chegamos até aqui. E por causa dela, milhões de pessoas todos os anos escapam da ‘mais indesejada das gentes’ (Bandeira era tuberculoso e morria de medo de morrer disso. Mas pulou a fogueira e nos deixou o delicioso Pneumotórax como herança.)

Movimentação de idosos no posto da 612 Sul, em Brasília, para Vacinação contra Influenza
Movimentação de idosos no posto da 612 Sul, em Brasília, para Vacinação contra Influenza. (Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

Eleições têm muitas semelhanças com vacinas. Eleições aliás são como vacinas, só que de outro tipo. Do tipo que nos protege do obscurantismo, do negacionismo, da falsa moralidade, de éticas de conveniência que fazem da vida humana reserva de mercado para convicções medievais. Somente “eles” podem falar. Por isso odeiam a ciência. Eleições nos resgatam dos desvãos onde se perdem nossos melhores sonhos. Dão sobrevida às nossas esperanças e nos salvam da morte política precoce. Renovam nossa crença no futuro construído a partir de nós mesmos. A sociedade é o que queremos que ela seja. E esse “queremos” aí fala de um coletivo gigantesco, cheio de contradições e de difícil articulação. Mas é a política que faz a boa costura.

Há poucos dias o povo teve uma nova chance de reativar a memória imunológica da sociedade contra o atraso. Terá acertado na dose? O Brasil muitas vezes repete sua própria história com sinal trocado. O que é uma farsa (ou tragédia) ao quadrado. Há pouco mais de 100 anos, campanhas de vacinação e outras medidas de saúde pública eram vistas como condições para a prosperidade, e o Rio de Janeiro tornou-se palco talvez do primeiro grande programa de gentrificação do país. Milhares de famílias foram removidas para demolição dos cortiços e porões em que habitavam para dar lugar a uma nova urbanização. Houve reação popular, em parte justificada pelo caráter impositivo das medidas de higienização, em parte pela má qualidade dos serviços públicos. Sobrou para Oswaldo Cruz e a vacina.

Na época, como agora, existiam outros interesses em jogo: uma agenda retrógrada que se escondia atrás da insatisfação popular e que escorou uma tentativa de golpe político. Mas o Brasil é previsível demais nos erros, e hoje são os grupos no poder que golpeiam a agenda progressista negando a pandemia, menosprezando a ciência e sabotando programas de vacinação, com o objetivo mal disfarçado de jogar o país nas trevas onde alimentam seu projeto de dominação social.

Cientistas anunciam a aurora e comunicam a luz para todos. Cientistas, Quintana, são passarinhos. Maus políticos e negacionistas carregam a escuridão trancada por dentro. Esses, passarão. Quando? Somente as próximas eleições dirão.

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