Juliana Macedo

Tecnologia e Segurança

A usuária da experiência ou a experiência da usuária?

Os departamentos de Pesquisa & Desenvolvimento das industrias utilizam o sexo masculino como parametro durante a elaboração ou aperfeiçoamento de um novo produto, e isso impacta a vida das mulheres.

por Juliana Macedo em 05/07/22 13:19

Durante uma entrevista de emprego, com um recrutador que se intitulava coach, surgiu a velha questão: “Qual o seu maior defeito?”. Eu respondi que me cobro muito, sempre espero que os meus projetos tenham resultados espetaculares e isso foi a deixa para o lado coach do entrevistador emergir. “Eu ouço muito essa resposta. Inclusive existem pesquisas que mostram que no geral as mulheres evitam se candidatar a vagas de trabalho caso não preencham todos os requisitos do anúncio.”

Esse assunto veio à tona novamente com a minha gestora, e ela me indicou um livro “Por que tantos homens incompetentes se tornam líderes?”, do escritor Tomas Chamorro-Premuzic. Não me ajudou muito, logo no início, o autor utiliza mil pesquisas para comprovar como a cultura corporativa privilegia homens e como isso é um erro. 

Retomei o tema com ela e a recomendação foi outro livro para aumentar minha indignação, “Mulheres Invisíveis” da Caroline Criado Perez, que aborda uma temática muito próxima a um texto que publiquei aqui no Mynews, “A importância da diversidade para inovar”. Carolina conta que o departamento de Pesquisa & Desenvolvimento das industrias utilizam o sexo masculino como parametro durante a elaboração ou aperfeiçoamento de um novo produto, e como isso impacta a vida das mulheres.

A autora apresenta inúmeros estudos científicos comprovando esse fato, como por exemplo, a temperatura recomendada do ar condicionado em escritórios, que foi definida através de uma fórmula desenvolvida nos anos 60, tendo como base um homem de 40 anos, com 70 quilos. Mas, pesquisas recentes, revelam que o ritmo do metabolismo de uma jovem mulher é muito mais baixo do que o de um homem. Isto significa que, atualmente os escritórios estão com temperaturas cerca de cinco graus mais baixas do que deviam para uma mulher. Está explicado o motivo da discussão sobre o frio no ambiente de trabalho. 

Um outro estudo afirma que em um acidente de automóvel, as mulheres têm mais 47% de probabilidade de sofrer ferimentos graves, isso porque os testes realizados nas fábricas são feitos utilizando bonecos baseados no corpo masculino. O modelo usado para representar as mulheres é apenas um homem menor e não distingue as formas dos corpos dos dois sexos, nem tem em conta as diferenças na densidade óssea e nas estruturas musculares.

Mas existem situações em que as mulheres são a fonte principal de coleta de dados. É o que acontece com os aplicativos de controle do ciclo menstrual. Quase um terço das mulheres americanas usam algum aplicativo de monitoramento de ciclo, de acordo com uma pesquisa de 2019 publicada pela Kaiser Family Foundation. As informaçoes compartilhadas nessas plataformas, são coletadas – normalmente sem nosso conhecimento ou consentimento – e vendidas para o desenvolvimendo de novos produtos farmacêuticos, mapeamento de comportamento e rastreamento de população fértil ou até mesmo compartilhadas como provas para condenações em casos de aborto ilegal, como relata a ex-promotota texana, Sara Spector. 

Em processos a uma mulher que realizou este procedimento de maneira irregular, qualquer empresa responsável pelos aplicativos que estejam no seu aparelho celular podem ser intimadas a fornecer os dados coletados. Dados esses que poderiam ser armazenados nos dispositivos, sem nenhuma necessidade de serem rastreados ou salvos por terceiros. 

Todo este cenário deve ser observado e regulamentado para proteção das usuárias finais, afinal mais da metade da população de consumo é composta por mulheres, e nossas necessidades e experiência de utilização não é levada em conta. Ou que nossos corpos sejam responsáveis por grande parte dos lucros de diversas companhias através de omissão na coleta e tratamentos de dados. As entidades reguladoras precisam intervir nesta situação, antes que não exista mais volta. 

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