Fogo foi controlado pelos bombeiros. Ação deste sábado (24) é a segunda contra o monumento
por Myrian Clark em 25/07/21 13:57
A estátua do bandeirante Borba Gato, localizada no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, foi incendiada na tarde deste sábado (24). O corpo de bombeiros controlou o fogo pouco tempo depois sem que ninguém ficasse ferido. Um grupo que se identifica como “Revolução Periférica” assumiu a autoria do ato e postou imagens do incêndio nas redes sociais. Os manifestantes falaram por meio de um vídeo que Borba Gato contribuiu para o genocídio da população indígena.
Não é a primeira vez que o monumento sofre uma ação de protesto. Em 2016, foi atacado com um banho de tinta. Para o historiador Paulo Garcez Marins, professor do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, o Museu do Ipiranga, é legítimo que se discuta o simbolismo da estátua, mas é preciso ter cautela. “Ao atacar um monumento público e queimá-lo, perdemos a oportunidade de discutir o passado brasileiro e a própria cidade de São Paulo”, diz.
Segundo Marins, é preciso trazer esse debate inclusive para os locais onde estão essas obras. “Poderíamos colocar placas, cartazes, QR codes ao lado destas estátuas. Organizar visitas guiadas, palestras. Muito ruim que tenhamos nestes monumentos uma ausência de texto que os problematizem, que reflitam sobre os aspectos polêmicos de se enaltecer sujeitos que praticaram a escravização. Eles não podem simplesmente continuar ali passando a mesma mensagem, sobretudo depois de tudo que já se discutiu em relação à construção da memória. Tudo isto deveria estar colocado ali. E não está.”.
O professor lembra que ações como esta do fogo na estátua do Borba Gato são violentas e geram impactos. “Para as pessoas do bairro, aquilo é um marco geográfico, que identifica a entrada de Santo Amaro. É preciso ouvir o que os moradores pensam. Nada impede que a sociedade reveja, tome decisões sobre retirá-lo dali, mas tem de ser feito com debate público.” No Museu do Ipiranga, Marins é curador de pinturas de gênero histórico. Ele trabalha com a preservação do patrimônio cultural. “Não podemos retirar do museu as obras às bandeiras. Elas são tombadas, mas vamos discutir o caráter agressivo delas.”.
Marins lembra do Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, localizado entre a Assembleia Legislativa e o parque do Ibirapuera, em São Paulo . A obra, conhecida como “empurra-empurra”, hierarquiza brancos, índios e negros, valorizando a visão europeia. “Ele demonstra de maneira muito clara ideias racistas. Ali está uma ferida para que possamos discutir a questão, um suporte para a discussão,” completa.
Em São Paulo, um projeto de lei da vereadora Luana Alves (PSOL) prevê a substituição de “monumentos, estátuas e placas que façam menções a escravocratas e higienistas”. A expectativa é que os monumentos sejam trocados por personalidades históricas negras e indígenas.
O ato deste sábado (24) contra a estátua do Borba Gato coincidiu com os protestos contra Bolsonaro que se espalham por mais de 400 cidades do Brasil e do exterior. Perto do monumento fica a Estação Borba Gato da Linha 5-Lilás, inaugurada em 2017.
Manuel de Borba Gato (1649-1718) foi um bandeirante paulista. No Brasil colonial, os bandeirantes eram contratados para descobrir minas. No entanto, foram violentos e assassinaram negros, índios e mulheres. Além de dizimar povos indígenas, espalharam doenças entres eles. No ano passado, depois de uma ameaça de derrubada da estátua, a subprefeitura de Santo Amaro pediu a instalação de gradis ao redor do monumento, além da vigilância da Guarda Civil Metropolitana.
Atualmente, monumentos históricos estão sob a mira de protestos em diferentes lugares do mundo. Em junho de 2020, a estátua do traficante de escravos do século 17, o britânico Edward Colston, foi jogada nas águas do Avon, um rio que corta a cidade de Bristol (Inglaterra), durante as manifestações do movimento Black Lives Matter.
Os atos aconteceram depois da morte de George Floyd, homem negro cruelmente assassinado por um policial em Minneapolis, nos EUA. O editorialista da Folha S. Paulo, Helio Schwartsman, publicou um artigo em junho de 2020 em que se manifestou sobre os atos contra monumentos: “Meu apoio a esses movimentos, porém, é crítico. Não creio que faça muito sentido se revoltar contra personagens históricos como Cristóvão Colombo e Winston Churchill e quebrar-lhes estátuas. Não dá para interpretar o passado com os olhos de hoje”, escreveu.
A estátua do Borba Gato levou seis anos para ser construída e foi inaugurada em 1963. O escultor Julio Guerra usou trilhos de bonde para compor a estrutura de concreto, depois revestida com pedras coloridas de basalto e revestida com mármore italiano. A estátua tem 13 metros de altura, se for contado o pedestal da base, e pesa 20 toneladas. Ela faz parte do Inventário de Obras de Arte em Logradouros Públicos da Cidade de São Paulo, mantido pelo Departamento do Patrimônio Histórico.
O projeto Demonumenta propõe um debate “sobre a colonialidade embarcada nas instituições e acervos públicos”. Trata-se de uma plataforma virtual desenvolvida por alunos e professores da USP. O embate público com os lugares de memória oficiais não diz respeito apenas aos monumentos, mas também ao patrimônio arquitetônico e a peças-chaves dos acervos históricos do Estado de S. Paulo. O objetivo é contribuir com a elaboração de diretrizes e sugestões de propostas que permitam tensionar crítica e criativamente políticas públicas de memória.
Nas redes sociais o incêndio na estátua recebeu manifestações de apoio e críticas. “Representa o Brasil escravista, o genocídio negro e indígena, que queimem todos os símbolos que representam o genocídio do nosso povo”, disse um internauta. “Porque de pacífico, já temos o oceano”, completou outro. “Vai voltar restaurado e mais bonito do que antes. Será lembrado daqui a 500 anos. Meia dúzia de vermes que não têm coragem de mostrar nem a cara não vão fazer diferença alguma”, respondeu um terceiro. “Terroristas de esquerda”, afirmou outro.
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