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Paulo Freire, 100 anos – uma pedagogia para a liberdade

Nascido no Recife, em 19 de setembro de 1921, Paulo Freire acreditava numa educação libertadora, que colocasse as pessoas no centro do aprendizado e de uma contextualização da realidade, com suas diferenças e contradições

por Juliana Cavalcanti em 19/09/21 09:26

Neste domingo (19), o patrono da Educação Brasileira completaria 100 anos se estivesse vivo. Uma série de eventos e homenagens ao filósofo e pedagogo Paulo Freire estão sendo realizados ao longo de 2021, num momento em que sua obra tem sido atacada por negacionistas e por uma extrema direita incumbida de difamar um dos pensadores mais pesquisados em todo o mundo. Durante esta semana uma liminar da Justiça Federal do Rio de Janeiro proibiu o governo federal de difamar a imagem do pedagogo. Mas por que Paulo Freire e sua pedagogia crítica têm provocado tanta revolta num segmento conservador da sociedade brasileira e por que é importante defender sua obra e seu legado?

Para entender esses porquês é preciso primeiro compreender quem foi Paulo Freire e quão revolucionária é até hoje proposta de pedagogia criada por ele. Nascido no Recife, em 19 de setembro de 1921, Freire acreditava numa educação libertadora, que colocasse as pessoas no centro do aprendizado e de uma contextualização da realidade, com suas diferenças e contradições. Seu método de alfabetização de jovens e adultos incentiva a criticidade e a autonomia das pessoas. Uma de suas frases mais famosas diz: “Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”.

Paulo Freire - 100 anos
Fundado em São Paulo, em 1991, o Instituto Paulo Freire mantém os arquivos do educador e realiza atividades relacionadas à obra do filósofo e pedagogo/Imagem: Reprodução da Internet/Canal MyNews

A partir dessa perspectiva e da necessidade de discutir o cotidiano e as relações políticas e sociais no processo de educação, Paulo Freire acreditava numa educação libertadora, que não apenas ensina as regras de gramática e ortografia, mas que junto com os alunos contextualiza o mundo em que vivem. Foi desse ponto de vista, que em 1963, o chamado Método Paulo Freire foi aplicado pela primeira vez para alfabetizar um grupo de 300 cortadores de cana-de-açúcar na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte, em apenas 45 dias.

O método consiste em investigar junto com os alunos quais são as palavras mais significativas de seu vocabulário e colocá-las numa perspectiva social, analisando os seus significados. A partir daí, com a prática da silabação, gradualmente as pessoas vão aprendendo a identificar os fonemas e a grafia das palavras, formando um vocabulário que a partir de então pode ser escrito pelos próprios alunos em seus contextos de vida e lugar social.

Para a professora associada do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Dayse Cabral de Moura, a importância de Paulo Freire ultrapassa as fronteiras do Brasil, com reconhecimento mundial, porque propõe uma grande teoria para construir práticas mais democráticas de sociedade.

Doutora em Educação, Dayse Moura destaca que ao colocar a criticidade e a substantividade democrática no centro do debate, Paulo Freire busca a comunhão dos povos e a democracia de fato. “É difícil resumir a contribuição de Paulo Freire com um único elemento. É preciso primeiro que se compreenda que a educação é um ato político e o papel social dos educadores, da emancipação da educação e de práticas educadoras libertárias. Paulo Freire deu uma contribuição fundamental para que a gente perceba essa dimensão social e crítica da educação”, explica a professora.

Ela acrescenta que é possível falar de uma pedagogia antes e depois de Paulo Freire. Dayse Moura explica que antes de Freire seria possível pensar que a educação é neutra, quando na prática o educador não tem como selecionar seus textos sem que estejam relacionados a alguma ideologia.

“Educar é problematizar a realidade, questionando a favor de quem e para quem a sua prática pedagógica está inserida. É uma revolução do pensamento pedagógico, na perspectiva de criar e problematizar o mundo, e foi a contribuição mais importante para a educação popular e de jovens e adultos. Ele insere a educação no contexto da sociedade. Quem são esses jovens e adultos? O que é a educação do trabalhador e da trabalhadora, num contexto que leva em consideração questões como classe social, gênero, raça. Quando Freire fala que sua pedagogia é dos esfarrapados do mundo, esses esfarrapados são os excluídos. Mulheres, povos do campo, negros e negras. É uma contribuição grande, ao falar do pensamento colonizador e, numa perspectiva dialética, como construir uma prática descolonizadora da educação”, continua a professora.

Brasil deve se orgulhar da obra e do legado de Paulo Freire

O professor Oussama Naouar – doutor em Educação, professor do Departamento de Letras e pró-reitor de Extensão e Cultura da UFPE (secretaria criada por Paulo Freire na década de 1960) – vem estudando a obra do pedagogo brasileiro há 20 anos. Francês, Naouar vive no Brasil há 11 anos e explica que Paulo Freire é uma das personalidades brasileiras mais importantes e estudadas no mundo.

Ele questiona movimentos como “escola sem partido”, liderados por uma nova direita, que tem distorcido a pedagogia de Paulo Freire e defende que o filósofo e pedagogo brasileiro é uma figura insuperável na história da educação no Brasil. “Muitas vezes as críticas são apressadas. Falo que Paulo Freire é a ilustração do célebre desconhecido. Muita gente fala sobre ele, mas poucas pessoas leram realmente a sua obra. Vivemos um período difícil para a ciência e o conhecimento, em que se prega o negacionismo. A educação pública brasileira não é baseada em Paulo Freire, mas tem inspirações na sua pedagogia”, explica o professor, acrescentando que a pedagogia sempre foi visat como subversiva em todos os países.

Oussama Naouar destaca que a educação baseada numa contextualização, a partir da realidade do educando, leva em consideração o lugar antropológico, com a perspectiva de educar para a liberdade, colocando questões como qual é o papel da cidadania. “A história não se apaga por vontade das pessoas. Paulo Freire é maior que a vontade de algumas pessoas. A partir da sua pedagogia e do momento atual a gente percebe como ainda existe desigualdade social e como a ignorância é um terreno fértil para a dominação social”.

Paulo Freire - Pedagogia do Oprimido
O livro Pedagogia do Oprimido é um dos mais conhecidos da obra de Paulo Freire/Imagem: Reprodução da Internet/Canal MyNews

Para a professora Dayse Moura, da UFPE, é interessante essa efeméride dos 100 anos de Paulo Freire acontecer justamente “no meio de uma pandemia, numa crise sanitária e civilizatória, em que o negacionismo da ciência se coloca como prática por muitas pessoas”. “Nada melhor e mais atual do que Paulo Freire para nos fazer pensar a civilização”, diz. Integrante da gestão do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da UFPE, Dayse Moura acrescenta que Paulo Freire inseriu um conceito de multiinterculturalidade, entendendo as funções das identidades culturais.

“As pessoas que vêm negando a contribuição de Paulo Freire, negam a importância da educação. A gente está num cenário neofascista. Negar o pensamento é negar a politicidade, a emancipação humana, para oprimir os mais pobres e manter os privilégios. Nesse contexto, qualquer pensador que proponha um pensamento revolucionário, vai ser rejeitado”, conclui.

O professor Oussama Naouar defende uma posição semelhante. “Paulo Freire é um caminho de transformação da sociedade para o bem. É uma figura extremamente importante para a população brasileira. Essa polarização em torno de sua obra mostra o quanto ele é importante. O mundo está homenageando Paulo Freire. A gente deveria ter orgulho de dizer que tem o maior pedagogo do mundo”, finaliza, Naouar.

Vida e obra – o Instituto Paulo Freire

Fundado em São Paulo, em 1991, o Instituto Paulo Freire mantém os arquivos do educador e realiza atividades relacionadas à obra do filósofo e pedagogo. Em sua atuação profissional, Paulo Freire foi diretor do Departamento de Extensões Culturais da Universidade do Recife (1961), que depois viria a se transformar na Pró-Reitoria de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), período em que desenvolveu o método de alfabetização de jovens e adultos.

Sua experiência com a alfabetização de 300 cortadores de cana-de-açúcar no Rio Grande do Norte, levou o governo brasileiro de João Goulart a aprovar a implementação do método no Plano Nacional de Educação, com meta de implementar 20 mil núcleos pelo país. O golpe militar de 1964 pôs fim ao programa que estava em fase inicial. Paulo Freire chegou a ser preso por 70 dias, acusado de ser traidor. Exilou-se na Bolívia e no Chile, onde escreveu o primeiro livro, “Educação como Prática da Liberdade”.

Foi professor visitante da Universidade Harvard (EUA), em 1969. Morou em Genebra, na Suíça, onde atuou como consultor educacional do Conselho Mundial de Igrejas e como consultor em reforma educacional em colônias portuguesas na África, em especial na Guiné-Bissau e em Moçambique. Morreu de ataque cardíaco em 2 de maio de 1997, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, por conta de complicações numa cirurgia para desobstrução de artérias.

Assista no Canal MyNews à entrevista especial que Myrian Clark fez com Nita Freire, educadora e viúva do pedagogo Paulo Freire – que faria 100 anos neste 19 de setembro de 2021

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