Cresci num ambiente de quase hiperinflação, o que impede jovens de fazer planos e inviabiliza muitos setores da economia
Em 18/06/22 21:35
por Mara Luquet
Jornalista, fundadora e CEO do canal MyNews, considerado pelo Google referência mundial em jornalismo no YouTube. Foi colunista de finanças pessoais da TV Globo e CBN, editora do Valor Econômico e criadora do caderno Folhainvest, da Folha de S.Paulo.
Nos meus primeiros passos na profissão, era repórter do jornal O Globo e ganhava um salário de milhões… Milhões de dinheiro que para falar a verdade nem lembro qual moeda era.
Era um tempo em que o salário chegava a aumentar 80% num único mês e mesmo assim não dava para nada. Não dava, principalmente, para fazer planos.
Para as famílias era cruel. Para jovens que davam seus primeiros passos no mercado de trabalho não era fácil. O país estava entrando no perigoso terreno da hiperinflação.
Eu cresci com a inflação. Na minha adolescência lembro bem do meu avô estocando alimentos não perecíveis em casa. Na casa dos meus avós havia um armário imenso e ficou na minha memória aquela sequência de latas e mais latas de alimentos, pacotes de arroz e feijão.
“Para que tanta comida se era só ele minha avó que viviam naquela casa?”, quis saber certa vez. “Porque semana que vem estarão mais caros e no próximo mês mais caros ainda”, respondeu meu avô.
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Meu avô estocava comida em casa para se proteger da inflação. Também em casa, muito bem guardado, estava o dinheiro de suas economias. Porque havia tantas incertezas nos longos anos de inflação que não tinha como confiar nos bancos, no governo, em ninguém, ele dizia.
Antes de morrer minha avó me deu de presente a caixinha com as economias do meu avô. Para mim um tesouro, a recordação do meu herói. Mas se dinheiro em casa perde valor em economias estáveis, com hiperinflação o dinheiro vira muito rápido apenas peça de decoração. Certa vez, revirando as papeladas da minha avó depois de sua morte achei algumas apólices de seguro que meu avô comprou com tanto zelo para proteger a família. Não valiam mais nada. Comprar seguros em épocas de inflação fora de controle é um péssimo negócio.
Nessa jornada pela memória, lembrei do dia que resgatei o saldo da caderneta de poupança que o meu avô abriu para mim quando nasci. Saquei o dinheiro quando fiz 19 anos de idade. Coloquei na carteira e a noite quando voltava para casa o pneu do meu carro furou. Paguei a troca pelo pneu novo com o dinheiro que por quase duas décadas meu avô depositou mensalmente na poupança. E não sobrou nenhum centavo.
Contei essa história tão pessoal porque o País de Jair Bolsonaro entre tantos retrocessos fez mais este, caminharmos perigosamente no terreno de inflação de dois dígitos. Era essa a coluna.
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