Para Maria De'Carli, embora tenha vivido uma lua de mel com o eleitorado, Kamala Harris perdeu as eleições por não se atentar aos verdadeiros interesses das mulheres
por Maria Antonia De'Carli em 21/01/25 14:50
Donald Trump e Kamala Harris participam de debate presidencial na terça-feira (10) | Foto: Reprodução/ABC News
Na segunda-feira (20), Donald Trump assumiu seu 2º mandato como 47º presidente dos Estados Unidos (EUA). Sua vitória foi avassaladora, desde 2004 nenhum candidato republicano havia vencido os colégios eleitorais (Trump levou 312 colégios eleitorais) e o voto popular (obteve 49,8% dos votos válidos). As eleições presidenciais de 2024 bateram recorde como o segundo maior pleito em termos de participação eleitoral, foram mais de 155 milhões de pessoas votando, o equivalente a 64% dos eleitores, isso é um marco considerável visto que o voto nos EUA é facultativo.
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Apesar da vitória incontestável, Trump assume o mandato numa nação extremamente dividida e polarizada, onde não há consenso com relação ao seu índice de aprovação. Um subgrupo que traz uma relação conturbada com o presidente, é o feminino.
A relação de Trump com as mulheres é bastante complexa. O presidente já deu algumas declarações bastante polêmicas e pejorativas com relação a este público; em 2024, porém, o republicano atingiu uma marca considerável no voto feminino, superando suas candidaturas anteriores. Afinal, o que explica isso?
Desde os anos 1980, as mulheres são maioria no eleitorado norte-americano, e, a partir de 1996, essas mulheres preferem votar em candidatos democratas. Em 2020, as mulheres foram cruciais para a vitória do Democrata Joe Biden, que conquistou 57% do voto feminino, porém, em 2024, apesar da candidata Democrata e então vice-presidente, Kamala Harris, ter ganhado a maioria do voto feminino — cerca de 54% — esses votos não foram suficientes para garantir a sua vitória.
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Fato é que o voto feminino não pode ser entendido de forma homogênea. As mulheres almejam coisas diferentes e partem de pontos de partidas diferentes. O voto feminino, sobretudo nos Estados Unidos, possui diferentes variáveis — como raça, extrato social e questões culturais —, e essas variáveis se sobrepõem ao fato de ser mulher. Analisar o voto feminino nas eleições norte-americanas do ano passado requer um olhar atento para entender as muitas camadas envolvendo as preferências eleitorais:
Apesar da Harris ter tido pelo menos 10% de vantagem com as mulheres, ela caiu frente aos seus antecessores: Biden teve uma vantagem de 15% com as mulheres versus Trump em 2020, e Clinton teve 13% de vantagem versus Trump em 2016.
Ao se analisar mais detalhadamente os fatores demográficos, Harris estourou com o eleitorado feminino negro, ela teve mais de 90% de preferência dessas mulheres, por quê? Porque essas mulheres são as principais vítimas quando o assunto é violência sexual e violência reprodutiva. Porém, Harris perdeu com as mulheres brancas, que, historicamente são mais conservadoras, defendem o status quo e tendem a preferir candidatos Republicanos.
Seu gênero te define? A característica de ser mulher é extremamente importante para sua relação social e cultural com a sociedade, porém, as mulheres nos EUA não compartilham nenhum tipo de identidade de gênero coletiva. Na história eleitoral norte-americana, as mulheres não se juntam em torno de um candidato em comum. Portanto, prevalecem outras características e variáveis, e, nessas eleições de 2024, prevaleceu a economia — com o aumento de preços — e o medo da imigração sem controle.
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E Trump soube explorar as principais preocupações do público de maneira extremamente eficiente. Em diversas pesquisas, o então candidato Republicano era o melhor visto quando o assunto era economia. Na atual conjuntura econômica dos EUA, a inflação subiu por diversos fatores, e isso impactou o preço de insumos e itens básicos, assim como o preço de moradia. Em 2 anos, o preço do leito dobrou. Segundo sondagens, 3 a cada 10 eleitores acreditavam que a situação financeira de suas famílias estava piorando, e 9 a cada 10 eleitores disseram estar preocupados com os custos de vida.
Essa preocupação também foi grande entre as mulheres. Em uma sondagem feita pela Fundação Kaiser, o fator mais preocupante para o eleitorado feminino era a inflação, seguido de ameaças à democracia e a alta imigração, aborto ficou por último. Uma pesquisa feita pela Edison, mostrou que 31% do eleitorado feminino acreditava que a economia era o principal fator nas escolhas eleitorais, aborto ficou com 14%.
Harris não se atentou a entender o que o eleitorado queria e não soube explorar esses fatores, perdendo nas urnas por conta disso.
A candidata Democrata insistiu demais na tecla do aborto e nos direitos reprodutivos, pautas extremamente importantes, de fato, mas que não eram a principal preocupação do eleitorado e conversavam apenas com uma parte da população. Ela não soube furar bolhas.
Ao ser nomeada candidata oficial à presidência pelos Democratas, Harris viveu uma lua de mel com o eleitorado, estourando nas pesquisas e obtendo apoio massivo de celebridades como Taylor Swift. Ela também ganhou o apelido de “Brat” gíria da Geração Z que significa “mulher descolada”. Apesar do sucesso com o público feminino e jovem, Harris foi pejorativamente chamada de “Cat Lady” por JD Vance — vice de Trump — que condenou massivamente as mulheres sem filhos, fazendo ataques indiretos a Harris.
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Essa é a figura que Harris representa, afinal, ela é uma mulher independente, que chegou ao topo pelo seu próprio esforço, ela é estudada, e não tem filhos. Sua figura é difícil de furar bolhas e romper preconceitos, não é todo mundo que conhece uma mulher como Harris, que dá para relacionar. A sociedade norte-americana é predominantemente conservadora, tendo o homem como figura central. Portanto, Harris já saiu perdendo nesse aspecto, ela não conseguiu furar a bolha do patriarcado e nem conseguiu se desvencilhar do preconceito invisível contra mulheres bem-sucedidas.
Apesar de Trump ter a figura machista associada ao seu personagem, todos nós temos um tio ou parente distante, ou até mesmo um marido, que dá para relacionar com o Trump. Existe um aspecto de afeto inconsciente de muitas mulheres para com a figura de Trump, e ele já saiu ganhando por isso.
Harris não foi a candidata perfeita, e muito menos Trump. Porém, houve erros de cálculos tremendos que foram cruciais para sua derrota. Fato é que o voto feminino na principal democracia do mundo não é um voto feminista, ele é um voto pragmático preocupado em resolver seu problema do momento, e o problema do momento é garantir o prato na mesa por um preço acessível.
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