Reportagem publicada pela Folha de S.Paulo mostra que ministro Alexandre de Moraes teria influenciado a produção de provas que ele mesmo julgaria
por Tiago Mitraud em 14/08/24 17:55
Ministro Alexandre de Moraes passa por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Senado Federal | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil - 21.02.2017
De tempos em tempos, nos deparamos no Brasil com episódios que parecem saídos de uma série de ficção. Embora, a essa altura, já deveríamos estar mais calejados, a realidade brasileira ainda consegue superar os roteiros mais elaborados.
Entre casos como o de um senador que esconde dinheiro na cueca durante uma operação da Polícia Federal, um presidente que só está no poder graças à anulação de julgamentos e prescrição dos crimes pelos quais foi condenado em três instâncias, e outro que, em reuniões gravadas, discutia com seus ministros “alternativas” à derrota nas eleições, deveríamos estar mais preparados para lidar com absurdos.
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No entanto, a matéria de terça-feira (13), publicada pela Folha de S.Paulo, que revela áudios e mensagens dos bastidores da atuação de profissionais do STF e do TSE na produção de relatórios para embasar decisões do ministro Alexandre de Moraes, ainda consegue nos surpreender.
O espanto não é apenas pelo fato de que, ao que tudo indica, o próprio ministro julgador teria influenciado a produção de provas que ele mesmo julgaria. O que também choca é a naturalidade com que os articuladores de ambos os tribunais discutem o que, em um país sério, jamais se ousaria sequer cogitar, muito menos executar.
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Deixando de lado, por ora, o mérito das revelações da reportagem, que merecem sim ser aprofundadas, é impressionante como o conceito de institucionalidade no Brasil está deteriorado.
A principal preocupação nas mensagens reveladas não é se aquela conversa deveria ou não estar acontecendo, mas sim o que poderia ser feito para que a execução de tais ordens fosse realizada sem que ficasse “descarado”, caso “alguém viesse a questionar”. Chegar a esse ponto evidencia o quão corroídos estão no Brasil conceitos básicos em uma democracia funcional, onde há respeito ao devido processo legal e ao império da lei.
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O episódio fica ainda mais preocupante quando lembramos que as mensagens em questão estão dentro de um contexto em que o objetivo dos relatórios era silenciar críticos nas redes sociais, o que, por si só, é uma afronta a um elemento fundamental em qualquer democracia: a liberdade de expressão.
É por essas e outras que há tanto descrédito nas instituições brasileiras hoje. A descredibilidade generalizada dos diferentes poderes e tribunais no país não é fruto de “campanhas de desinformação” ou “ataques de ódio coordenados”.
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As instituições brasileiras, incluindo o STF, sofrem descrédito porque constantemente dão motivos para tal. Juízes como Moraes são acusados de autoritarismo e desrespeito às leis não por meros interesses políticos, mas porque, de fato, seus atos justificam tais acusações.
Somente quando entendermos que nas atuais batalhas político-jurídicas brasileiras não há uma luta entre mocinhos e bandidos, mas sim abusos e ilegalidades cometidos por diferentes partes — que devem ser combatidos igualmente — é que estaremos prontos para iniciar nossa recuperação institucional e moral. Do jeito que está, no eufemismo do próprio juiz instrutor do STF, Airton Vieira, já ficou “chato”. Chato até demais.
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